quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ARTE GRECO-ROMANA (Scala)

E cá voltei. Desta vez não venho com nenhum tratado ou obra literária e sim com algo que, a meu ver, acho útil enquanto complemento para estas leituras, uma vez que também é uma evidência do sentido de estética das civilizações grega e romana e também do contexto artístico em que as obras foram escritas (nada vive sem o seu contexto).
Este já não é o primeiro livro de arte que exponho aqui. Houve um anterior, chamado "Arte Romana", da autoria de Pierre Grimal, mas esse é de História da Arte. Este que apresento agora não deve ser visto como um livro de História da Arte e sim mais como um "catálogo" de arte, uma vez que assenta basicamente em imagens por página com a respectiva legenda. As imagens estão divididas pelas épocas correspondentes, que têm uma breve apresentação na página introdutória de cada uma. Vem também em quatro idiomas: Português, Espanhol, Italiano e Inglês.
É assim, não é por ter imagens e praticamente nenhum texto que esta "colectânea" artística é menos útil que o livro de Pierre Grimal: de facto, este tem o que o livro de História da Arte não tem, que são precisamente elementos visuais e isso foi também uma das coisas que não gostei muito no outro livro. Não que eu seja adepta da ideia de que os livros têm que ter necessariamente ilustrações, mas quer dizer, era um livro de História da Arte e estão-nos a falar de arte sem exemplos para aquilo que descrevem, é como ler um livro sobre pintura e não ver nenhum quadro. Assim, creio que este livro e o outro se complementam bastante bem, uma vez que o segundo é muito detalhado a nível de texto e este visualmente. 
Apesar de não ser um livro essencial, considero que talvez seja uma boa aquisição mais enquanto "documento histórico" ou "testemunho visual" para quem se interessa pela arte e a sua História ou por civilizações antigas; isto porque muito do que é uma civilização hoje e ontem passa pelo que reflecte nas suas manifestações artísticas.

domingo, 16 de setembro de 2012

"CATEGORIAS", por Aristóteles

Boa noite a todos! Já vai algum tempo, cinco meses, para ser mais exacta, desde a minha última visita, mas por motivos académicos os meses de Junho e Julho revelaram-se impossíveis para ler livros novos. Ainda assim consegui ler quatro, mas depois faltava a tarefa de os estudar/analisar e para isso eu não conseguia mesmo. Também não posso prometer que consiga ter a mesma pedalada que tive durante o primeiro ano de vida deste blogue; a partir deste ano terei o tempo mais apertado, bem como as finanças, que não estão boas para ninguém e os livros compram-se. Contudo, espero conseguir pelo menos ler um livro por semana.
Para abrir este segundo ano na "blogosfera" escolho um dos quatro livros que li em Junho e que ficou até agora pacientemente na minha estante à espera que chegasse a vez dele de entrar aqui na ribalta. é ele o primeiro de um conjunto de cinco tratados de lógica aristotélica que dá pelo nome de Organon:"Categorias" (e agora é a parte em que dou voltas na cabeça a tentar relembrar algo que li em finais de Maio já).
Como disse, do conjunto dos Organa (usei o termo "Organa" porque é o plural de "Organon" e atrás referia-me ao conjunto, logo singular e agora aos livros, plural), as "Categorias" ocupam o primeiro lugar e vários são os estudiosos que defendem que é pelo estudo das "Categorias" que se deve introduzir a lógica aristotélica. O que é facto é que esta obra, efectivamente, exerceu uma grande influência em toda a história da Filosofia e ainda hoje é um dos seus maiores clássicos. Esta obra encontra-se num único livro e está dividida por quinze capítulos, sendo que de vários deles são apenas os fragmentos que chegaram até nós. Os primeiros três capítulos ainda não expõem o propósito da obra em si, pois Aristóteles começa por explicar certos conceitos sem os quais o leitor perder-se-ia na certa. Só a partir do capítulo quarto (capítulo charneira, na minha opinião) é que é apresentada a lista das dez categorias, que são: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, acção e paixão. Os capítulos seguintes são, portanto, a análise de cada uma delas.
Em toda a obra (como é característico as obras de Aristóteles) o método de investigação utilizado é o dialéctico, ou seja, é um método que toma como ponto de partida opiniões ou crenças comuns pois, segundo Aristóteles, o senso comum, quer queiramos quer não e conquanto todos os seus defeitos, ainda é a base para o nosso início no acto de conhecer e por isso só a partir dele e da sua análise se efectuam novos conhecimentos. Outra característica desta obra é o recurso à indução: esta é uma forma de argumento dialéctico que parte do particular para o universal, pois as coisas particulares são as que se encontram mais próximas da nossa experiência e, portanto, mais facilmente são apreendidas pelo senso comum. 
Não é difícil de ler nem de perceber: o método de escrita é muito semelhante ao da "Poética" do mesmo autor e é bastante conciso. Contudo claro que tem alguns preciosismos, sobretudo a nível de sintaxe, que podem tornar algumas frases mais confusas de entender, mas isso normalmente os livros de conhecimento antigo o têm. Ainda assim, não deve ser lido de uma forma de texto corrido como a "Poética", que já permite esse tipo de leitura. Se a "Poética" é essencialmente um tratado de estética, as "Categorias" são um tratado de lógica e como tal não devem ser simplesmente lidas e sim entendidas. Contudo, a respeito disso creio que vou abrir um blogue à semelhança do que fiz para com o "Tratado da Política" e da "Poética" de Aristóteles, do "Isagoge" de Porfírio e "Da Natureza" de Parménides de Eleia para expor o meu resumo das ideias-base das "Categorias": afinal nem todos nós temos disponibilidade para estudos autónomos e, tendo em conta que a maioria das obras de Aristóteles mais não são que compilações de informação que ele cedia aos alunos por aulas (quase como apontamentos), creio que ele não se importaria que elas continuassem acessíveis a quem se interessar.
Cá espero estar de novo para a semana, ou mais cedo, se assim o puder. Continuação de uma óptima noite!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

DIÁLOGO SOBRE A FELICIDADE, por Santo Agostinho

Acabei de o ler hoje; aliás, devo confessar que é deveras inspirador ler Santo Agostinho enquanto se estuda piano. É a terceira vez que o faço e também é a terceira vez que tenho um estudo fantástico.
À semelhante de "O Mestre", neste livro, dedicado a Teodoro, Santo Agostinho faz de novo uso do método socrático para chegar ás suas conclusões. Um ponto importante a saber deste livro é que o diálogo aconteceu mesmo e foi registado, aparentemente palavra por palavra. Passo a explicar.
Era dia 13 de Novembro de 386 e era o aniversário de Agostinho. Fazendo uso do argumento de que o alimento da alma era a sabedoria, Agostinho decidiu oferecer um banquete de aniversário diferente: convidou os seus familiares para sua casa e realizou uma tertúlia que se prolongaria até ao dia 15 de Novembro. Os temas eram bastante actuais: "o que é a felicidade?" e "como é que o homem pode ser feliz?". No diálogo participaram o seu irmão Navígio, os seus alunos Trigécio e Licêncio, os seus primos Lartidiano e Rústico, o seu filho Adeodato e, note-se, a sua mãe Mónica; é, de facto, um pormenor interessante ver como uma mulher naquele tempo participou de um diálogo filosófico e acabou por ser, como afirmaram todos, a que melhores conclusões deu e a que mais sabedoria tinha, tanto que Agostinho registou (página 41) "(...) que, esquecidos inteiramente do seu sexo, pensámos que algum grande homem se encontrava sentado connosco..." Contratou-se também um escrivão para registar por escrito todas as palavras que fossem ditas na discussão (página 53) "Eu já tinha dado ordens para que nenhuma palavra que fosse pronunciada ficasse por registar por escrito."
Apesar de ainda achar duvidosas algumas conclusões de Santo Agostinho (uma vez que, por muito impecável que seja o seu raciocínio, parte sempre de premissas já existentes, os dogmas, para suportar as suas conclusões... algo que não está inteiramente de acordo com Sócrates, pois a ideia que tenho do filósofo é que primeiro questionaria os dogmas e depois é que usaria o dogma reformulado/alterado num processo de lógica para chegar a conclusões) devo dizer que é um filósofo (para todos os efeitos, é-o) que me dá gosto de ler. Apesar de o que eu li até agora ser de cunho teocêntrico, a sua capacidade de argumentação (independentemente da utilização de ideias pré-estabelecidas) bem como as temáticas são bastante cativantes e actuais e deita por terra aquela ideia de que a religião não incentiva o raciocínio. Quer se ame ou deteste o homem, creio que é verdade assente de que os seus trabalhos filosóficos são, em muito, a base de muitos ideias filosóficos actuais.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

CONTO DE AMOR E PSIQUE, por Apuleio

Este livro não era suposto ter existido... refiro-me na minha prateleira. De facto, já faz um mês que o comprei e dirigia-me eu ao alfarrabista do costume quando, caindo em tentação como sempre em entrar na Fnac, o encontrei na secção de livros de bolsos. Como estava por uma módica quantia (semelhante ao que eu costumo pagar num alfarrabista) decidi aproveitar e levei-o comigo. Adiei o alfarrabista para outra altura...
De facto, este livro (ou parte dele) não se chama propriamente "Conto de Amor e Psique"... na verdade, este conto é um excerto de uma obra maior de Apuleio com onze volumes (!) chamada "O Burro de Ouro" e este conto só entra como narrativa encaixada. A obra (cujos onze volumes se encontram por sua vez agrupados em três secções) é sobre um jovem chamado Lúcio que, depois de tomar certa mezinha, se transforma em burro, vivendo aventuras e desventuras na sua nova forma. O "Conto de Amor e Psique" figura na segunda secção. Sendo Lúcio roubado por uns ladrões e levado para a sua caverna, lá conhece Cárite, uma jovem raptada no momento em que preparava os esposais estando, por isso, inconsolável. Assim, na tentativa de consolá-la e para a entreter, a criada dos ladrões conta-lhe uma história entre o filho de Afrodite e uma mortal.
O "Conto de Amor e Psique" é. decerto, uma história bem conhecida de todos, contudo raras vezes se nota toda a alegoria que existe entre a história e a existência humana. Efectivamente, Eros (que personifica a beleza de corpo) apaixona-se por Psique, uma mortal de beleza equivalente à de Afrodite (que simboliza a beleza de espírito) e que, mesmo sem nunca ter visto a forma física de Eros, apaixona-se à mesma por ele devido às suas atitudes (no fundo, o amor físico aliado o amor platónico ou, por assim dizer, o amor superficial aliado ao amor puro). Ambos têm, no fim, uma filha, à qual puseram o nome de Sensualidade. A união de Eros e Psique (que, casando, se tornam um só), bem como o aparecimento de Sensualidade, acabam por nos dar uma ideia do homem/mulher ideal: a beleza exterior aliada à beleza interior. É uma alegoria bem conseguida e neste conto (e isto é uma questão de gosto) só lhe encontro um defeito no argumento: à semelhança do amor falso e plastificado de Tristão e Isolda (convenhamos, não tem valor nenhum, ambos só se apaixonaram porque beberam uma poção, isso é bruxaria e não amor) também Psique, embora já se encontrando apaixonada por Eros, como dizer, se apaixona ainda mais por ele porque se picou sem querer numa das suas setas... Falo pessoalmente, essa parte tira a graça toda ao ideal que falei anteriormente e era um pormenorzinho que, sendo retirado, não interferiria em nada na história... a não ser que também tenha um simbolismo que me esteja a escapar, caso alguém tenha ideias avise-me, por favor.
Resumindo: quer tenhamos como motivação-base a leitura deste excerto o facto de estarmos apaixonados ou de apenas querermos racionalizar um bocado, o "Conto de Amor e Psique" surge como um documento que exprime o ideal da perfeição na vivência do sentimento comummente conhecido por Amor, podendo ser transportado, a meu ver, para todos os seus desdobramentos, sejam eles amor romântico, platónico, fraterno, sexual, familiar, etc.; porque, se nos dermos conta, em todos se verificar esta constante oposição Eros/Psique que tem a Sensualidade como seu produto. O que os torna diferentes são apenas as variáveis entre os conceitos. Infelizmente as almas são pobres e, com o passo dos anos, a Sensualidade (mesmo enquanto conceito usado no dia-a-dia) acabou por ficar órfã de mãe (Psique) e hoje é unicamente associada ao simbolismo de Eros... Pena...

quarta-feira, 4 de abril de 2012

CONFISSÕES DE UM PECADOR, por Santo Agostinho

Admito. Quando comprei este livro não esperava que fossem apenas excertos, peço desculpa pela desilusão. Seguramente haverá a versão completa, mas esta apareceu-me com um preço módico. Ainda assim, fica aqui a sugestão.
"Confissões de um pecador" é considerada uma das obras mais emblemáticas de Santo Agostinho, junto com a "Cidade de Deus". No início eu estava um pouco renitente a ler este livro, uma vez que não fiquei muito impressionada com a leitura do primeiro livro que li de Santo Agostinho; contudo, cedo afigurou-se-me com uma leitura muito interessante. 
"Confissões de um pecador" é um livro dividido em livros mais pequenos, todos com uma parte específica da sua vida e respectivas temáticas para reflexão. Nele, o próprio Agostinho narra a sua biografia e apresenta a sua experiência de vida, bem como o caminho que o levou à sua conversão, sempre com um tom introspectivo, de reflexão e dedicado a Deus. É uma auto-avaliação partilhada com os demais, esperando que talvez nós nos possamos rever na sua experiência e nas suas falhas.
Compreendo que possam advir alguns sentimentos de desagrado pela leitura deste livro; efectivamente, certos aspectos da mentalidade de Agostinho, ainda que devidamente justificados, podem parecer de difícil compreensão para a maioria dos leitores. Contudo, peço que esqueçam o homem e foquem-se antes do que realmente vos interessa, uma vez que é o seu legado e não o indivíduo que nos importa.

segunda-feira, 12 de março de 2012

DIÁLOGO SOBRE A JUSTIÇA, por Platão

Tenho estado mal de tempo para actualizar o blogue; e, nos espaços que me sobram, leio para descansar mas até agora não tive cabeça para cá voltar. Contudo, desde a ultima actualização a 2 de Março do presente ano li mais três livros e estou a meio de um quarto que procurarei apresentar. Este é um deles.
Sei que vai parecer um cliché; efectivamente, já o tinha dito do "Ménon" mas lá está, as coisas estão sujeitas a mudança quando se conhecem novas e o "Ménon" foi destronado e passou a ser este o melhor diálogo de Platão que já li. Não apenas pela temática (o "Ménon" é um pouco vago de assunto) como também por três novidades para mim: pela primeira vez vi discurso indirecto num diálogo de Platão, ou seja, vi texto narrativo, sem ser dialogado, pela primeira vez li uma discussão acesa entre Sócrates e um sofista, Trasímaco, que primava pelo tom agressivo e pela primeira vez não foi Sócrates que teve a última palavra e sim um dos assistentes da discussão, Gláucone. 
O diálogo começa com um jantar em casa de amigos e no qual participava Trasímaco, um sofista, que acusa Sócrates de ser um manhoso e um falso que apenas fazia perguntas mas a nada respondia. Sócrates, então, aceita o desafio: neste diálogo, é Trasímaco quem questiona com o objectivo de denegrir Sócrates e este responde; eventualmente trocam de posições num confronto aceso de pergunta-resposta sobre a temática da Justiça, o que seria e quem seria o justo. São visíveis as tentativas de fuga de Trasímaco quando vê em vários momentos que está a ser vencido, tanto que os assistentes têm que o segurar para que ele ganhe coragem e acabe o que começou. Assim, pergunta atrás de pergunta, resposta atrás de resposta e de vez em quando insulto atrás de insulto Sócrates e Trasímaco lutam pelo seu ponto de vista, uma luta que mais não é que um símbolo da barreira entre um filósofo e um sofista, sendo os sofistas tinham má fama na altura por cobrarem dinheiro aos alunos pelos seus ensinamentos que mais não eram, para muitos, que falsa erudição. Contudo, o grande vencedor da noite é Gláucone, um dos assistentes; uma vez ido Trasímaco e acabada a discussão, Gláucone, que mais não fizera que escutar e analisar em silêncio os argumentos das duas posições, profere um discurso sobre a Justiça a Sócrates, no qual expõe as grandes conclusões que tirou. Assim, num rasgo de sabedoria, contudo tendo o cuidado de não incutir ao leitor nenhuma verdade absoluta, Gláucone encerra o diálogo.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

DA NATUREZA, por Parménides de Eleia

E eis chegado o momento da apresentação de um pequeno grande livro e um dos testemunhos mais completos da Filosofia Pré-Socrática (e o primeiro que li). "Da Natureza" é um dos primeiros livros de Filosofia da nossa civilização e o seu autor, Parménides de Eleia, é o primeiro filósofo que defende o uso da razão como forma de atingir a Verdade. O livro, todo ele em poesia e do qual só restam alguns fragmentos, questiona essencialmente o ser, o pensar, o conhecimento e a verdade.
Pessoalmente (apesar da sua leitura difícil) considero-o um livro fascinante de ler; efectivamente, a sensação que assomava ao meu espírito era a de estar a presenciar ao nascimento de algo, a observar algo embrionário... e é que é uma sensação tão fascinante a de sabermos, conscientemente, daqui, sim, daqui, desta lógica argumentativa obsoleta partiu a maior parte das estruturas lógicas formais que conhecemos hoje e, muito honestamente e sem exagero (mas isso sou eu que me fascino com estas coisas) no final só pode restar pelo menos uma centelha de felicidade nos nossos corações que, por momentos, ficam enormes... quase como se nos tivesse sido dado o privilégio de assistirmos ao nascimento do Universo em primeira mão, mas de um universo mais pequeno, o universo de algo que, ainda que menosprezado com a passagem das eras e sobretudo nos dias de hoje, é tão importante para a natureza humana como o foi há mais que dois milénios.
A Filosofia é precisa, não apenas pelos seus conteúdos lógico-argumentativos que esses são atingíveis com outras ciências, mas também porque é nela que o Homem se espelha... o pensamento é inerente ao Homem, se é mais ou menos racional ou emocional isso é o objecto, o que importa é que o Pensamento (com P maiúsculo, uno e universal e, portanto, em todas as suas vertentes) é uma característica inseparável da Humanidade, talvez mesmo a origem daquilo que se pode mesmo considerar de unicamente Humano... negar a importância do Pensamento é negar a Humanidade, que assume múltiplas formas consoante o que pensa e que pensa consoante o que muda, ambas são causa e efeito de ambas num ciclo vicioso que se prolongará até à nossa extinção... ou até ao aparecimento de algo novo.
Caríssimos... não vos poderei dizer que entendereis tudo quanto lerdes neste livro e nem eu entendi tudo e talvez nenhum de nós entenda absolutamente tudo de nada. Contudo, só poderei esperar que a sensação de júbilo que tiverdes e de privilégio pela leitura de algo que iniciou grande parte do nosso mundo tal como o conhecemos seja tão grande ou maior que a minha. Porque, tal como defendia Parménides, do nada, nada pode nascer.
Bem hajam!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

COMO TIRAR PROVEITO DOS INIMIGOS, por Plutarco

Bem... este livro é de carácter diferente e foi o meu companheiro durante uma semana de rua; contudo, esclareço desde já uma coisa: não tenho inimigos nenhuns... e se os tenho desconheço-os totalmente nem quero saber quem são. Logo, apenas li o livro pelo autor (ainda não cheguei ao estado de maníaca ou do medo da perseguição, hehe)...
Na verdade, este livro divide-se em duas partes: uma primeira, confirma-se, intitulada "Como tirar proveito dos inimigos", mas segue-se-lhe a parte maior, cujo título é "Como distinguir um adulador de um amigo" (e desta última, sim, reconheço utilidade para a generalidade das vidas humanas). Assim, numa espécie de manual de auto-ajuda (sim, que estas coisas dos livros de auto-ajuda não são invenção recente), Plutarco ensina as pessoas a viver essas duas vertentes aparentemente negativas da vida de acordo com a sua ética: o princípio de que a felicidade e a paz só são alcançáveis controlando os impulsos da paixão.
Só uma nota: a respeito dos livros de auto-ajuda... já repararam que os manuais de auto-ajuda passados ensinavam a viver enquanto os de agora ajudam a conseguir ter algo?... De que maneira um manual de auto-ajuda poderá reflectir as nossas prioridades? Talvez no título de um livro esteja um espelho maior de uma sociedade do que se pensa...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

LAQUES, por Platão

Boa madrugada! 
Como não poderia deixar de ser, tive que passar por cá antes de me submeter ao sono, desta vez com um diálogo de Platão, pois já não lia há muito tempo (desde... o "Ménon" em Novembro?), "Laques", desta vez e não posso deixar de fazer um reparo à edição. Efectivamente, foi com um livro desta colecção de volumes que comecei este blogue em Maio do ano passado ("Apologia de Sócrates", se me recordo) e a modos que foi um pouco... nostálgico... actualizar com um livro de uma colecção que não pensava adquirir mais apesar de ter uma qualidade excepcional (afianço que, para quem procura literatura clássica em bons livros, para mim esta é uma das duas editoras que aconselharia; a outra é das edições da Fundação Calouste Gulbenkian, mas isto é uma questão de opinião). Outra coisa de notar é o pormenor de todas as capas terem a sombra de uma árvore. Se considerarmos que, de facto, uma capa pode dizer o que um livro não diz, poderemos pensar que é uma alegoria (como se o legado clássico se assemelhasse a uma árvore centenária que continua a crescer?). Mas já estou a dispersar.
O tema deste livro... de facto é difícil de esclarecer o tema. Aparentando ser um diálogo sobre a boa educação dos filhos por ligação de ideias passa para a coragem, assistimos a uma longa discussão entre dois intervenientes pelo meio (Nícias e Lisímaco), o que é algo que eu nunca tinha visto nos diálogos que li, uma discussão agressiva explícita e no fim termina em aberto... contudo a estrutura argumentativa baseada na lógica mantém-se. Noto, contudo, duas coisas: a primeira é a defesa de Sócrates em que as questões não devem ser decidias pela maioria, mas sim pela validade da cabeça (que não é pelo número de cabeças que se devem tomar decisões e que uma cabeça pode valer por muitas). Isto aparentemente parece contraditório, mas como poderia sair tal coisa de alguém oriundo do berço da democracia, mas o facto é que a democracia, no verdade, tinha um significado nocivo para os atenienses; estes eram a favor da República e não da Democracia (Aristóteles no seu "Tratado da Política", já apresentado anteriormente, esclarece muito bem a diferença). A segunda é a persistência de Nícias em que Sócrates deveria ser mestre dos jovens... ora foi precisamente este um dos motivos que o levaria à sua condenação, o de, segundo o tribunal, ensinar maus caminhos aos jovens e, tendo em conta que estes diálogos me parecem ser escritos depois da morte de Sócrates, penso se não seria um ataque da parte de Platão como forma de denúncia dos juízes (aliás, já seria a segunda vez que o faria). 
Seja como for, deixo-vos com mais um diálogo (dos meus preferidos agora). É necessário que a árvore clássica cresça e, seguramente, continuará a fazê-lo... e, também seguramente, continuará a dar ramos para o pensamento póstumo, o que prova o seu valor inegável.
Juntos contra a desflorestação das ideias, a todos uma boa continuação de semana e boas leituras!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

FILOCTETES, por Sófocles

No fundo, pensando bem, há já muito tempo que não lia nada de Sófocles. A última tragédia que tinha lido foi "Os Persas" de Ésquilo e mesmo essa já tinha sido há algum tempo... Pelo que decidi aventurar-me a desembolsar algum e trouxe o livro que hoje apresento, "Filoctetes, de Sófocles.
Nesta tragédia conta-se do desembarque de Ulisses na costa de Lemnos com o objectivo de aprisionar o antigo guerreiro Filoctetes, repudiado pelos seus companheiros dez anos devido às suas chagas que o tornavam inválido, para poder beneficiar da utilização das suas armas mágicas na guerra de Tróia. Para isso faz uso de um dos seus soldados, Neoptólemo, um jovem ansioso por ser conhecido por grandes façanhas e incita-o a mentir e a ser ele a trair e aprisionar Filoctetes, prometendo-lhe glória e fama. Neoptólemo aceita, seduzido pelo prémio.
Esta é uma tragédia em que Ulisses, que normalmente é tido como um herói, passa a mostrar a sua vileza através do uso da inteligência e manha para maus fins; Filoctetes é a denúncia do trato ateniense dado aos menos capazes; e Neoptólemo, por seu turno, é o jovem inexperiente e, no fundo, inocente, que ainda não sabe a qual dos senhores há-de servir, se a gloria material conseguida por um caminho fácil (mentira), se a glória espiritual pela prática de um caminho mais doloroso (verdade). No fundo, Neoptólemo surge como a Humanidade condensada num só Homem...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A ENEIDA, por Virgílio

E eis chegada a hora de uma leitura tão ousada como quem se digna a ler os diálogos de Platão e que um dos maiores legados poéticos da Humanidade. "A Eneida" é um poema épico/ epopeia escrito por Virgílio, poeta romano e que, tal como o nome indica, conta a história de Eneias, ancestral de todos os romanos, que se salvou da guerra de Tróia, junto com o seu pai Anquises e o filho Ascânio. A versão que eu li foi a dos livros de bolso Europa-América que, com o seu objectivo de tornar o livro "transportável" (se me for permitido usar este termo) reduziu o verso branco (uma consequência da maioria das traduções para outros idiomas) a parágrafos ainda que, claro está, se notem preciosismos poéticos na estrutura das frases, dando a entender que são versos compactados. Concluo que o poema não foi afectado, o que torna esta compactação em texto narrativo nalgo pouco grave.
Note-se, contudo, muitas semelhanças do enredo d'"A Eneida" com "A Odisseia" de Homero. Efectivamente, ambas têm como elemento polarizador a guerra de Tróia, tanto como Odisseu como Eneias empreendem uma viagem naval, ambos desembarcam numa ilha e mantêm uma relação com uma mulher, Odisseu com Circe e Eneias com Dido, ambos descem ao Hades, etc. Coincidência? Uma vez que não sei onde acaba o mito original e começa a arte literária parece-me impossível dizer, é tão possível como impossível que vários aspectos sejam coincidência mas o facto é que talvez uma razão de teor político esta na base destas semelhanças. De facto, "A Eneida" foi encomendada a Virgílio pelo Imperador Augusto com o objectivo de enaltecer a civilização romana. Virgílio, então, compromete-se a criar um poema épico ainda maior que "A Odisseia" (obviamente no sentido qualitativo, porque a nível de extensão tem metade dos capítulos) e, dessa forma, suplantar o próprio Homero. É sabido também que Virgílio em consciência soube não ter sido capaz de o conseguir fazer. Já concluído o poema épico e às portas da morte, conta-se que Virgílio teria pedido aos seus companheiros que queimassem a obra por ter ficado "imperfeita". Agradeçamos por não o terem feito, já que só assim foi possível que chegasse até nós uma das grandes obras de um dos maiores génios da Humanidade.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O MESTRE, por Santo Agostinho

Sim, eu sei. Parece ser algo totalmente novo, mas efectivamente eu comprometi-me a apresentar os legados da base da cultura ocidental, que é a grega, a latina... e a cristã. Confesso que demorei bastante tempo a pegar neste último pilar mas isso deveu-se ao facto de os livros que lhe são relacionados serem exponencialmente mais caros que os restantes. Digamos que finalmente me dei ao luxo (porque foi mesmo) de desembolsar mais um pouco (ou melhor, o mesmo, só que em vez de aplicar em dois livros só posso aplicar num, que  é que se há-de fazer)...
Fiquei triste, confesso... a sério, fiquei logo triste nas primeiras duas páginas. Apesar de depois não ter notado nada de gravoso e o livro ter melhorado bastante, confesso que as primeiras duas páginas me causaram má impressão, com o devido respeito pelo autor. Basicamente Santo Agostinho quer mostrar ao seu filho Adeodato que a linguagem não serve para aprender e sim para ensinar e faz uso de argumentos como o caso do professor que lecciona, as perguntas de resposta condicionada, etc e no fim Adeodato conclui que de facto a linguagem serve para ensinar e não para aprender... e o leitor fica de facto com uma dúvida pertinente que mais não é que a lógica das coisas: parece-nos óbvio que a linguagem enquanto meio de aprendizagem serve para transmitir conhecimento, tudo bem, mas quem o adquire (aprende) também o faz por intermédio da linguagem... usada pelo professor. Em lado nenhum Santo Agostinho especifica que é apenas a linguagem de quem profere que serve para ensinar e não aprender, afirma simplesmente que a linguagem (conceito generalista) serve para ensinar mas não para aprender. Se se ensina com gestos o pupilo imitará os gestos e nesse caso os gestos servem para aprender mas se o mestre dá a informação o pupilo aprende pela linguagem do mestre... A linguagem serve para aprender, no mestre porque é codificada e transmitida, no pupilo porque a descodifica. Ai, senhor Agostinho, a cometer falácias/suprimir informação para levar a sua avante (confesso que foi essa a primeira ideia que me veio ao espírito)! Salvo isso, todo o resto do livro se me revelou impecável... foi mesmo o choque inicial, se me permitem dizê-lo. De resto o livro é excepcional.
Santo Agostinho recorre ao método socrático para ensinar o seu pupilo, que aqui é o seu filho Adeodato, ou seja, para quem leu os diálogos de Platão sabe que Sócrates ensinava recorrendo ao método de pergunta e resposta, o mestre pergunta, o pupilo responde sucessivamente até chegar pelas suas próprias respostas à ideia que o mestre defende (quase como uma aprendizagem orientada). O objectivo deste diálogo é demonstrar que não são as palavras que conduzem à verdade, que reside no interior do Homem; defende também que a razão é essencial e nunca um homem se deve guiar unicamente pela razão ou pela fé e que ambas devem coabitar no espírito humano. O livro consta  de catorze capítulos e tem duas partes: uma primeira sobre as palavras e os signos e a segunda sobre despertar a verdade interior, no fundo uma primeira baseada na razão e a segunda na fé, sendo que os capítulos que as compõem são o caminho conseguido através da lógica argumentativa para se chegar ao que Santo Agostinho defende no último capítulo.
Assim, este "diálogo entre Pai e Filho sobre a Linguagem e a descoberta da Verdade interior" de Santo Agostinho surge, no final, como um texto importante independentemente de qualquer convicção religiosa mas sim pela sua qualidade e carácter filosófico que aborda temas aparentemente tão díspares como a Linguística, Comunicação e Religião, sendo mais um testemunho da riqueza que os antigos legaram ao presente.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

POÉTICA, por Aristóteles

E eis mais um livro intemporal que ainda hoje objecto de estudo, quer de aficionados, quer de alunos. Quase uma espécie de tratado, o objectivo deste livro é falar "da arte poética em si e das suas espécies, do efeito que cada uma destas espécies tem; de como se devem estruturar os enredos, se se pretender que a composição poética seja bela; e ainda da natureza e do número das suas partes [...] de tudo o que mais diga respeito a esse estudo..." Esta é uma obra essencial do pensamento estético e é dos mais importantes textos antigos sobre o assunto.
As artes abordadas na "Poética" são a Poesia (trágica e heróica) e o Teatro, uma vez que ambas estavam intimamente ligadas. Sabe-se que houve um segundo volume (o livro que chegou até nós é o primeiro) que tratava da poesia cómica; contudo, esse livro não sobreviveu até aos nossos dias.  O livro é composto por vinte e cinco pequenos capítulos. Em cada um é abordado um aspecto estético.
Um testemunho sobre a forma de bem escrever ou criar argumentos, é de notar que imensos dos preceitos abordados na "Poética" são ainda hoje regras gerais na arte literária contemporânea e mesmo teatral, o que torna este livro essencial, quer para os estudantes das artes que lhe são atribuídas, quer para os amantes de estética e da arte em geral.