quinta-feira, 30 de junho de 2011

DO RISO E DA LOUCURA, por Hipócrates

Hoje apresento uma obra simplesmente hilariante e que muito gozo me deu ler. O autor é Hipócrates, considerado por muitos o pai da medicina, sendo uma das suas citações mais famosas a definição do cérebro humano como " fonte do nosso prazer, alegria, riso e diversão, assim como do nosso pesar, dor, ansiedade e lágrimas. É especificamente o órgão que nos habilita a pensar, ver e ouvir, a distinguir o feio do belo, o mau do bom, o prazer do desprazer. É o cérebro também que é a sede da loucura e do delírio, dos medos e sustos que nos tomam, muitas vezes à noite, mas às vezes também de dia; é onde jaz a causa da insónia e do sonambulismo, dos pensamentos que não ocorrerão, deveres esquecidos e excentricidades". Esta afirmação contrariou a crença da altura, que era a de que todas estas faculdades pertenciam à alma, sendo que esta se encontraria na medula. 
Tudo começou com uma carta dom povo de Abdera a Hipócrates relatando o aparente estado de loucura do seu grande sábio, Demócrito; com isto preocupavam-se os abderitas pois a grandeza da cidade residia no facto de ser pátria de um dos homens mais sábios da altura. Manchada a reputação do sábio também se mancharia a da cidade. Acontecia que Demócrito se encontrava num estado de riso compulsivo: tudo servia de motivo para o seu riso, tanto as coisas boas como as más e o riso perante o infortúnio, ou mostraria pobreza de espírito, ou loucura e nada mais fazia senão rir. Hipócrates respondeu com a resposta de que procuraria procurar a causa da loucura de Demócrito e curá-la; contudo, não aceitou qualquer tipo de pagamento, afirmando que "aqueles que recebem pagamento, subjugando as ciências aos seus interesses, privando-as da sua antiga liberdade, parecem reduzi-las à escravatura; são bem capazes de mentir, exagerando a importância da doença. ou de negar a sua gravidade, de não comparecer, tendo assegurado a sua presença e de não vir ainda que tenham sido chamados." Mais tarde escreveu a Filopemen, agradecendo a sua hospitalidade em Abdera e apressa-se também a escrever a seu amigo Dionísio pedindo-lhe que cuide dos seus bens e da sua esposa enquanto estiver fora. Uma vez em Abdera, Hipócrates tem um sonho durante a noite: nele vê uma mulher muito elegante que o conduz até à cidade onde desaparece, dando lugar a outra mulher ainda mais bela mas com menos juízo. Hipócrates, numa análise feita ao seu sonho, conclui que a primeira mulher era a Verdade e a segunda a Opinião, que a Verdade era o que ele iria descobrir e a Opinião era o senso comum dos abderitas desprovido de qualquer teor científico. Assim, no dia seguinte, dirigiu-se à habitação de Demócrito: uma casa no cimo de uma colina e não muito grande. Demócrito encontrava-se debaixo de umas árvores; a seus pés tinha vários animais esventrados e, ante as expressões de tristeza e de horror dos abderitas que conduziram Hipócrates, o sábio desatou a rir às gargalhadas. O que se segue é um diálogo entre o médico e o filósofo no qual Hipócrates tentará apurar a razão da aparente loucura de Demócrito chegando, no fim, à conclusão de que o riso e a loucura não se encontram tão ligados como parecia...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

FÁBULAS, por Esopo

Hoje tenho um pequeno presentinho como sugestão de leitura.
Sei que todos já leram o título, pelo que creio que já perceberam do que se trata. Exactamente, um momento de retorno à infância com algumas das histórias que nos contavam já em crianças: as fábulas de Esopo. E o que é uma fábula? Nada mais é que uma narração curta na qual as personagens são animais que possuem características humanas e que possuem quase sempre uma moral. Claro está que isto de "fábulas de Esopo" é uma designação errada; enganaram-nos aqueles que nos disseram que este senhor foi o autor de muitas das fábulas que nos contaram. Na verdade, foi apenas o seu colector, sendo que as histórias eram de civilizações tão díspares como sendo o Antigo Egipto, a Antiga Grécia e mesmo de origem asiática.
Mas quem foi este Esopo? Um mero escravo de Idamon, um cidadão grego que, após a sua libertação, foi viver para a corte do rei Creso onde entrou em contacto com vários sábios, entre os quais Sólon, que tinha um primo, Pisístrato, que era um tirano governador de Atenas. Como é óbvio, cedo o ardor democrático grego se insurgiu contra a tirania e os atenienses teriam deposto Pisístrato, não fora a interferência de Esopo que convenceu os atenienses a manterem o governante contando uma simples fábula: "As rãs que queriam ter um rei". Contudo, esta fábula foi tão convincente, bem como a maneira como foi narrada, que os atenienses logo esqueceram a democracia e voltaram a subjugar-se à tirania do governante. Mais tarde Esopo teria uma morte violenta, sendo atirado de um penhasco pelo povo de Delfos. Desconhece-se a razão desta fúria popular: uns dizem que foi o seu sarcasmo que enfureceu o povo; outros que tinha roubado uma taça de prata; e ainda há os que dizem que se apropriou de dinheiros que o rei Creso lhe confiara. Seja como for, do ponto de vista pessoal e pelo que li das Fábulas, creio que o motivo da sua execução foi a ideologia de Esopo: efectivamente, poderemos nós considerar bom um homem que subjuga um povo à tirania e que a apoia? Para mais, se há a hipótese de ter andado a roubar seja de quem fosse a adicionar à característica de apoiante da ditadura, meus caros, com todo o respeito que tenho pelo homem, mas não devia ser propriamente uma jóia de pessoa... Mas isto é só o que eu julgo, sabe-se lá o que teria feito de desagradável para levar o povo à fúria...
Neste livro estão reunidas as cem mais famosas fábulas de Esopo (que não são de todo de Esopo, como já referi acima). Muitas das fábulas presentes já as tinha ouvido na minha infância, nunca por Esopo, mas sim por La Fontaine, que muito bem as reescreveu em verso. Uma característica deste livro (que tanto pode ser boa como má) é o facto de no fim de cada fábula vir um parágrafo a explicitar a moral da história. É assim, acho bem que se apoiem os espíritos mais confusos na interpretação de alegorias (porque as fábulas são isso mesmo); contudo, também acredito que cada pessoa encontra a sua própria moral mediante as suas experiências de vida e, portanto, não nos deve ser imposta uma moral universal. Aliás, para ser sincera, eu não concordei com a maior parte das morais que li e sugeriria outras, mas lá está, cada qual mediante as suas experiências e a sua sensibilidade fica pontos diferentes da mesma história e, portanto, conclusões diferentes. Contudo, não deixa de ser interessante ouvir a opinião moralista expressa no livro e comparar com a nossa, acaba por ser um exercício bastante interessante para estas férias.
Uma última coisa: peço desculpa se não encontrarem a edição destas Fábulas apesar da capa que apresento: com efeito, comprei este livro num alfarrabista no Porto e quase de certeza que a versão ou a edição já serão diferentes; aliás, durante um tempo vou passar a ir a alfarrabistas, os livros acabam por se tornar dispendiosos, pelo que devem deixar de se fiar na capa que apresento a ilustrar as apresentações.
Assim, fica a sugestão de um bom livro para férias, divertido, leve e, ao mesmo tempo, intelectual. Se ainda não está em férias, coragem, que não deve faltar muito. Felizmente as minhas começaram esta semana e posso gozar o descanso merecido após o meu primeiro ano de faculdade... eu, pelo menos... Já a cabeça e o  blogue não tiram férias nunca!
Boas férias para todos!
(já agora, passem pelos anexos, que acrescentei um vídeo referente a esta apresentação)

terça-feira, 28 de junho de 2011

PROMETEU AGRILHOADO, por Ésquilo

Boa noite.
Hoje apresento a segunda tragédia de Ésquilo que li: chama-se "Prometeu Agrilhoado" e o tema foi visto e revisto por tantos autores que, creio, tema igualado em tratamento só mesmo o mito de Orfeu! Não é muito difícil de encontrar uma peça dramática com este título ao longo dos séculos, contudo é da de Ésquilo que hoje se trata. 
Sucintamente, Prometeu foi um Titã que desde sempre se pôs do lado da Humanidade, frequentemente vítima de Zeus que não lhe conferia valor. Foi graças a Prometeu que os humanos descobriram a cura para as doenças, a esperança face à morte, aprenderam a ler e escrever e dominaram o fogo, que Prometeu roubou dos deuses para que possibilitasse ao Homem a criação de vários ofícios, tais como a cerâmica. Assim, pouco a pouco, os homens deixaram de depender totalmente nos deuses e começaram a solucionar os seus próprios problemas. Enfurecido, Zeus manda agrilhoar Prometeu a uma rocha no monte Cáucaso como castigo pela sua insolência; contudo, manda Hermes ao seu encontro para lhe dizer que seria perdoado caso se arrependesse. Prometeu, que nunca se deixou subjugar à tirania de Zeus e sempre fez o que lhe mandou a vontade e os seus valores pessoais, recusa e diz a Hermes que prefere uma eternidade agrilhoado a ser um lacaio como ele, conseguindo a agravante de uma águia todos os dias lhe comer o fígado, que voltaria a nascer durante a noite, para toda a eternidade (tal que não aconteceu, visto que mais tarde Prometeu seria liberto por Héracles).
A peça dramática de Ésquilo, como é óbvio, não trata todo o mito, mas sim o momento do agrilhoamento. Digo que é óbvio, pois apesar de terem sido duas leituras creio que estas já me fizeram chegar a uma conclusão: ao contrário de Sófocles e especialmente de Eurípides, Ésquilo tem a particularidade de não se preocupar em dramatizar uma história mas sim um momento, tanto que as suas peças acabam por ser mais um diálogo do que propriamente uma encenação de um episódio. O mito é abordado, sim, mas na boca de Prometeu, que o conta às Oceânides, filhas do titã Oceano, as únicas que se apiedaram da sua sorte, que respondem com graves lamentos. A violência do cenário é expressa pelo vocabulário usado pelas personagens. Já a meio da peça aparece Io, a ninfa transformada em vaca pelos ciúmes de Hera, que também se apieda de Prometeu; em compensação, Prometeu conta a Io aquilo que os deuses têm reservado para ela para maior castigo que a sua transformação. No fim desta peça o leitor sai com a imagem de um grupo de deuses cruéis que, apesar dos seus inúmeros dotes e capacidades, nada fazem para defender os valores que lhes são atribuídos, o que torna esta peça reaccionária do ponto de vista religioso; mas não apenas este ponto de vista, se não também o político: a atitude de Prometeu é tipicamente libertadora apesar dos seus grilhões, preso a uma rocha, mas livre enquanto ser por não se subjugar à tirania e enaltecendo os valores da liberdade acima das penas do corpo. O simbolismo de Prometeu tornou-se tal ao longo dos séculos que chegou a ser adoptado pelo Cristianismo: assim, a Prometeu equiparou-se Jesus Cristo, um agrilhoado numa rocha, outro crucificado; a Prometeu uma águia esventrava-lhe o fígado e a Jesus Cristo um centurião romano abria o peito com uma lança; em ambos a sua missão era libertar a Humanidade e zelar pelo seu bem. Esta adaptação cristã do mito de Prometeu foi uma das razões da sua popularidade na época moderna até aos nossos dias, numa época em que a religião se encontrava intimamente ligada aos assuntos do Estado. Assim, mais que tudo, Prometeu simboliza o Homem que tem a coragem de se afirmar pelos seus valores e que fala pelos que não a têm, lutando pelas grandes causas.

sábado, 25 de junho de 2011

ANFITRIÃO, por Plauto

E eis-me chegada ao vigésimo livro.
A celebrar esta chegada comemorativa bem que poderia ter-me aparecido nas prateleiras algum de maior conteúdo; e com isto começo a sentir o peso de ter que fazer uma apresentação menos boa... Isto porque a obra em sim também tem um carácter "menos bom", se é que me faço entender...
A presente obra, para variar, pensei eu, é uma comédia. Eu não tenho nada contra comédias, aliás, admiro o sentido de humor, desde que este seja inteligente e elegante, humor esse que Plauto, enquanto pertencente à frívola sociedade romana, não conheceu, imagino eu... Confesso que se me mostrou custosa a tarefa de passar o primeiro acto do livro; não porque o autor não tenha sentido de humor, até tem bastante, mas tem aquele que eu chamo de humor para tolos: gente à pancada e linguagem imprópria e deselegante com recurso a calão, sendo que as personagens não primam pela esperteza. Mas passo a fazer uma sinopse do argumento.
Como é sabido Júpiter (tenho que dar os nomes romanos dos deuses porque o autor é romano) era um marido infiel e costumava arranjar múltiplas amantes, fossem deusas ou mortais, qualquer boa cara lhe servia. Ora aconteceu que se apaixonou por Alcmena (sim, aquela que iria ser a mãe de Hércules) e quis unir-se a ela. Então, aproveitando a ida do seu marido Anfitrião para a guerra com o seu escravo Sósia, chamou o seu filho Mercúrio e ambos transfiguraram-se em Anfitrião e Sósia, respectivamente, fazendo com que a pobre Alcmena (dolosa vítima nesta trama toda) traísse o marido sem saber. No entanto, os deuses (que é suposto, enquanto divindades, serem um modelo a imitar pelos mortais, não é... nota-se...), vendo que o verdadeiro Anfitrião e o verdadeiro Sósia voltavam, decidiram divertir-se mais um bocado e provocar a confusão, valendo-se da duplicação que haviam feito. Assim, a história é composta por uma pobre Alcmena fiel e casta que se vê acusada de louca e de traição, um Sósia pouco inteligente, um Anfitrião que ainda assim é a personagem mais normal (menos mal), um Júpiter lascivo e inconsequente e um Mercúrio (deus que eu até tinha em boa conta pela sua inteligência) a resolver os assuntos à pancada. 
É assim, eu não me sinto mesmo nada bem neste papel de "despublicitar" mas, ao mesmo tempo, não poderia afirmar ser uma obra que me maravilhou se o não foi, pelo contrário. Mas isto é a minha opinião, que não aprecio este género de humor. Claro está que outra pessoa qualquer pode achar esta obra fantástica e divertidíssima, acredito que sim, até porque a nossa sociedade está impregnada de humor neste estilo (ou não fôssemos nós os herdeiros dos romanos, não é...); contudo, para ser fiel aos propósitos pelos quais criei este blogue, vejo-me obrigada a dar a minha opinião segundo a minha experiência de leitura que, precisamente por ser de índole pessoal, espero que não levem como totalmente certa. Desagrada-me a mim, pode agradar-vos a vocês, ou até podemos concordar...
Melhor maneira de descobrir: lendo. Até porque  ler não é apenas descobrir um pouco mais sobre o que nos rodeia, mas também sobre nós próprios... neste caso poderíamos descobrir que género de humor nos agrada , eventualmente. Mas tenho que ver, ao menos, algo positivo no meio disto tudo: no fim, acabei por perceber por que é que o conceito "sósia", em português, se aplica a uma réplica física de alguém (reler sinopse acima)... Vêem? No fim, tudo tem alguma utilidade!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

DIÁLOGOS IV, por Platão

Boa noite a todos.
Antes de mais, agradeço às pessoas que comentaram o meu blogue nos último dias; não sei quem são nem se terão também um cantinho que eu possa visitar nesta vasta blogosfera uma vez que se identificaram como anónimos, mas agradeço imenso, pois fez-me sentir que afinal este trabalho, ainda que prazeroso, também tem alguma relevância. Em segundo lugar. peço desculpa pela demora em apresentar este novo livro, mas o final do ano na faculdade consegue ser bastante exaustivo; assim, entre demoras e mais demoras, entre "ok, hoje não deu, publico amanhã" e "ok, hoje voltou a não dar". Depois de um percurso mental um pouco atribulado finalmente chegou aqui e é o quarto livro de Diálogos de Platão.
Esta obra é composta pelos diálogos "Sofista", "Político", "Filebo", "Timeu" e "Crítias", sendo que os últimos dois são mos mais conhecidos devido às redacções que dele fazem parte sobre o mito/realidade (nestas coisas não podemos ser dogmáticos) da Atlântida. No "Sofista" Sócrates trava conhecimento com um filósofo da escola de Eleia e inicia um diálogo no qual pretende que o estrangeiro lhe diga o que entende por um sofista na terra de onde vem; é de notar que na Antiga Grécia o termo "sofista", ainda que tenha etimologicamente origem na palavra "sábio", "sophos", o certo é que se for tornando gradualmente num termo depreciativo e que ainda assim é nos dias de hoje, cujo significado negativo prevaleceu: o de uma pessoa que conduz as mentes dos outros com uma brilhante arte de retórica, ainda que esta careça de lógica ou verdade (assim, o Sofista para Sócrates é qual um caçador, mas um caçador de homens). Assim, como não podia deixar de ser, no mesmo dia efectuou-se o diálogo do "Político" (não fossem os políticos, geralmente, todos sofistas no sentido depreciativo). No terceiro diálogo, "Filebo", narra-se uma discussão entre Sócrates e Filebo sobre qual o fundamento da vida humana: Filebo defende o prazer; Sócrates defende a sabedoria e a inteligência. Chegados ao "Timeu" constatamos que este é apenas um diálogo introdutório àquele que iria gerar uma das maiores controvérsias da Humanidade: a verdadeira existência ou a possibilidade de mito que é a história da Atlântida; após uma breve alusão à ilha perdida, é abordado o processo de criação do Homem e a formação do Mundo, bem como das almas. Terminada essa narração primordial, finalmente estão reunidas as condições para se iniciar o quinto e mais famoso diálogo, "Crítias", que deverá ser o expositor da história que levou tantas vezes o Homem à fantasia. Infelizmente (e para grande desconsolo o meu) Platão não acabou o diálogo, tanto que o livro, após ter descrito a cidade perdida e assim que ia entrar na sua destruição, termina com as seguintes palavras: "e tendo-os reunido, disse-lhes..." (Zeus havia reunido os vários deuses do Olimpo para julgar a população atlante). Não se conhecem os motivos que levaram Platão a deixar o diálogo incompleto: uns julgam ter sido pela morte do autor embora não haja certezas, pois a data do manuscrito não é certa; outros defendem que a história da Atlântida e da sua guerra com Atenas não era mais que uma alegoria de uma guerra real, travada entre atenienses e persas, na altura civilização muito rica e culta; assim, Platão teria perdido o interesse em  escrever como se fora um mito e ter iniciado antes a sua última obra, as "Leis", na qual retrata a sociedade ideal, que a Atlântida também simbolizava. Seja como for, nunca saberemos ao certo e, ainda que sejamos mais ou menos cépticos, o certo é que a história de uma civilização perdida vulgarmente conhecida como Atlântida povoa um pouco todas as mentes humanas  simplesmente pelo mistério que teria sido o seu desaparecimento.
(ver Biblionet - anexos)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

MEDEIA, por Eurípides

Já passou, de facto, algum tempo desde que apresentei a última obra dramática ("Antígona", se bem me lembro). Hoje reavivarei o autor Eurípides com a apresentação de uma das suas obras mais conhecidas e que influenciaram diversos autores ao longo dos tempos: "Medeia".
Esta tragédia narra a história da feiticeira Medeia, sobrinha de Circe e filha do rei Aetes, que abandona o seu reino e mata o seu próprio irmão para seguir Jasão de volta para Corinto, após o ter ajudado a conseguir o velocino de ouro com a sua magia. Uma vez lá casam-se e têm dois filhos. Contudo, a felicidade de Medeia é de pouca dura: Jasão não tardou em rechaçar Medeia para se casar com a filha do rei de Corinto sob o pretexto de, com isso, conseguir honra e glória, não se importando sequer em exilá-la a ela e aos seus dois filhos de Corinto. Medeia, ultrajada e sem ter para onde ir (uma vez que se tornara divorciada, na altura condição humilhante para uma mulher, expulsa da terra do marido, com dois filhos e sem poder regressar ao seu reino, que traiu) arquitecta uma vingança graças às suas magias que firam o coração de Jasão e o arrastem de volta para uma vida inglória, da qual nunca teria saído se não fora ela.
Mais uma vez, numa tragédia de Eurípides, damo-nos conta que não há uma personagem inteiramente boa nem inteiramente má: apenas humanidade. Se inicialmente nos condoemos e revoltamos contra Jasão pela sua má conduta, no final o seu sofrimento e a maldade de Medeia fazem-nos ficar indecisos sobre que partido tomar; e damo-nos conta que talvez nenhum tenha estado certo. Nas tragédias de Eurípides é impossível tomar partidos que possamos afirmar como justos. Outro ponto importante e que chama logo a atenção do leitor, quer pelas acções, quer pelo próprio discurso de Medeia, é um enaltecimento da figura feminina, pois a mesma é culta, desmente o velho mito de que as mulheres não têm motivos de queixa por estarem sempre na segurança da casa e de serem capazes de conseguir ardis mais violentos que os homens para compensar a sua falta de força física.
A tragédia "Medeia" é, sem dúvida, um clássico: imensos autores ao longo da História da literatura e mesmo do cinema se empenharam em recriar a lenda desta mulher tão cheia de bem e de mal, com uma faceta boa e diabólica ao mesmo tempo. Contudo a obra de Eurípides é a primeira de uma série de tragédias do mesmo assunto a ser escrita posteriormente, sendo, por isso, a obra original e primeira a retratar o episódio da vida desta mulher, tão doce como o Paraíso e tão áspera como o Inferno.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O BANQUETE, por Platão

Antes de mais, peço desculpa pela imagem; é sabido que coloco sempre a ilustrar a capa do livro que li para ser fiel aos leitores, até porque cada edição/versão tem as suas discrepâncias. Desta vez tal não me foi possível, ou melhor, mais ou menos: a editora é a mesma do livro representado na imagem, mas a versão é actualizada. Fica aqui, então, a ficha: é das edições Europa-América, colecção Grandes Obras e está em formato livro de bolso. Possui o texto integral. Devo também dizer que este diálogo apresentado por Platão espantou-me num aspecto: sem nunca perder a seriedade, mostrou uma faceta muito mais humorística e leve do grande pensador, havendo momentos que nos fazem esboçar o leve sorriso ou mesmo uma risada leve. Isto porque a acção passa-se num ambiente talvez um pouco boémio, como sendo um jantar com todas as suas diversões.
O poeta Agatão ofereceu um banquete: a ele acudiram Alcibíades, o médico Erixímaco, o autor de comédias Aristófanes (sem dúvida o mais espirituoso do banquete), Fedro (jovem amigo de Sócrates e seu discípulo) e, como não podia deixar de ser, o filósofo Sócrates que, como bem Apolodoro (o narrador do evento) soube referir, para espanto de todos, se apresentou de sandálias, uma vez que um dos seus traços característicos era o de andar sempre descalço.Como seria de prever, com tal elenco o objectivo do banquete não seria apenas o de uma comezaina bem temperada e farta: Agatão pretendia iniciar um debate que tivesse como objecto o amor. Assim, um a um, cada um dos convidados (incluindo o anfitrião) dá a sua explicação e a sua imagem pessoal do amor. No fim, ficamos com um amor analisado por um poeta, um comediante, um médico e um filósofo, que mostram a sua interpretação do amor, obviamente sempre à luz da sua profissão (creio ser este o ponto mais interessante deste diálogo, as diferentes formas de ver um assunto por diferentes pessoas que vivem para diferentes coisas). No fim, a melhor defesa do amor é dada por Sócrates, segundo concordam todos os presentes e um dos convidados que não entrou no debate, Alcibíades, termina o diálogo com um magnífico elogio ao filósofo.
Este diálogo é, sem dúvida, de leitura obrigatória; falo por experiência própria, visto que alterou em mim algumas das ideias muitas vezes dogmáticas que eu tinha sobre o amor... e quem fala do amor fala de qualquer outro sentimento. Aliás, outro ponto interessante do diálogo é o facto de os convidados se tratarem entre si por "amantes"; isto porque o amor de que falam é algo mais que o amor entre homem e mulher, é um amor puro, o Eros na sua essência e enquanto deus primordial e que une os seres humanos nas mais diversas relações. Aqui está presente, portanto, o ideal platónico do amor. Nada mais tenho a acrescentar, termino esta apresentação com um excerto do discurso proferido por Aristófanes e que remonta à justificação dada pela cultura popular grega para a atracção entre homem e mulher e que julgo digna de atenção por ser bastante curiosa:
«A princípio havia três género entre os homens e não dois como hoje: o masculino, o feminino e um terceiro que era composto pelos outros dois. O seu nome subsistiu, mas a espécie desapareceu: então, o real andrógino reunia num único ser o princípio macho e o princípio fêmea. Cada homem tinha a forma de uma esfera, com as costas e as costelas em arco, quatro mãos, outras tantas pernas e duas faces ligadas a um pescoço arredondado; para essas duas faces opostas, um único crânio, mas quatro orelhas, as partes genitais duplicadas e tudo o resto que se pode imaginar sobre o mesmo modelo.O nosso homem podia passear por onde queria, em posição erecta; e, quando sentia a necessidade de correr, procedia como os nossos equilibristas que fazem a grande roda atirando as pernas para o ar e avançavam velozmente rolando. Se havia três géneros era porque o primeiro, o macho, era filho do Sol, o segundo, fêmea, filho da Terra e o terceiro, participante dos dois, da Lua, pois a Lua tem esta dupla participação.
«(...) Empreenderam subir até ao céu para atacar os divinos. Então, Zeus e os outros deuses deliberaram sobre o castigo a infligir-lhes. (...) Depois de uma penosa meditação, Zeus dá finalmente a sua opinião: 'Vou cortar cada um deles em dois, ficarão mais fracos e ao mesmo tempo, aumentando o seu número, ser-nos-ão mais úteis; dois membros bastar-lhes-ão para caminhar e, se reincidirem de novo na imprudência, cortá-los-ei de novo em dois, de modo que terão que andar a pé-coxinho.' (...) Uma vez realizada esta divisão da natureza primitiva eis que cada metade, desejando a outra, a procurava: e os pares, estendendo os braços, agarrando-se no desejo de se reunirem, morriam de fome e também de preguiça, pois não queriam fazer nada no estado de separação. (...) Compadecido, Zeus imagina então um meio: desloca os seus sexos e põe-nos para a frente, permitindo que se unam até ficarem saciados e poderem trabalhar e satisfazer as suas necessidades. (...) Cada um de nós é, portanto, a metade de uma peça, visto que nos cortaram em duas partes e cada um vai procurando a metade da sua peça.
«(...) Assim, quando os amantes descobriram precisamente a metade que é a sua, é admirável como são empolgados pela ternura, o sentimento de parentesco e o amor. Já não consentem em dividir-se um do outro e estes são os que ficam juntos até ao fim da vida e que nem conseguiriam definir o que esperam um do outro!» (in "O Banquete", texto com supressões)

sábado, 11 de junho de 2011

FÉDON, por Platão

"O diálogo sobre o dia da morte de Sócrates versa a alegria de um homem justo perante a morte e constitui o tema deste escrito fundamental de Platão acerca da Imortalidade da Alma." Sem dúvida uma obra a ler após as leituras da "Apologia de Sócrates" (defesa de Sócrates em tribunal ateniense) e "Críton" (tentativa de persuasão do discípulo Críton para que Sócrates fugisse da prisão) segue-se "Fédon", na qual a acção passa-se já após a execução de Sócrates com cicuta. Todo o texto é uma narração muitas vezes em discurso indirecto que o discípulo Fédon (que também esteve presente no dia da execução) faz a Equécrates que, sabendo um mês depois a morte do sábio, pede que alguém lhe conte o que se passara nos derradeiros momentos antes da execução.
Na descrição da execução propriamente dita estão presentes Sócrates, Fédon, Apolodoro, Cebes, Símias e Críton. Para os descansar do seu pranto, Sócrates mostra-se calmo e sorridente e inicia um debate com eles sobre os motivos que o levam a ir em paz e pelos quais não devem chorar, sendo um deles a imortalidade da alma. Não convencidos de algo que até nos dias de hoje não está comprovado, os discípulos não conseguem animar-se e contestam Sócrates, dizendo que a sua crença é a de um louco e que nem parecia dele, por ser tão pouco razoável. Assim, inicia-se um debate no qual Sócrates, fazendo apenas uso da razão e da lógica, comprova aos discípulos que a alma é transcendente ao corpo, sendo por isso imortal e chega ao ponto de tentar comprovar racionalmente que há uma vida além morte junto dos deuses.
A quem leia este livro advirto que não leia segundo os seus olhos ou crenças ou se exalte e o proclame como livro a ser evitado pela possibilidade de corromper crenças. Afianço que, de facto, os argumentos expostos por Sócrates têm lógica, contudo todos com base em ideias pré-estabelecidas pela sociedade e com as nossas crenças também acontece o mesmo: argumentamos com lógica mas a partir de dogmas ou ideias que nos foram implementadas pela educação. Faço esta advertência porque sei o quão perigosa pode ser a discussão de assuntos desta espécie e lembro que o que está em causa não é se Sócrates estará ou não correcto, mas sim a clareza do discurso e uma nova opinião... e novas opiniões contribuem sempre para espíritos mais abertos quando bem recebidas.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A MITOLOGIA GREGA, por Pierre Grimal

Desde sempre o Homem sentiu necessidade de explicar as origens da realidade que o rodeia, criando mitos e, por conseguinte, a sua própria mitologia. A mitologia pode tomar várias vertentes. Há culturas que possuem uma mitologia baseada no homem heróico, como é o caso da mitologia celta e do homem com força sobre-huma Chuchulainn, equiparável ao Héracles grego; outras apostam numa vertente mais espiritual, como a mitologia indiana, sendo que os homens são deuses encarnados. Contudo, o espantoso da mitologia grega é o facto de conseguir reunir tanto o carácter humano como espiritual, com aventuras de deuses que passaram por privaçõe semelhantes às humanas e humanos que chegaram a alcançar a deificação.
Acho importante, após ter apresentado todas as obras anteriores, recomendar um livro de mitologia grega da mesma forma que já recomendei livros de arte; isto porque para percebermos um pensamento ou uma cultura temos que perceber o seu contexto. Para mais, em inúmeras obras de escritores greco-latinos aparecem com frequência referências a episódios mitológicos como alegoria a situações e convém que estejamos minimamente informados a fim de percebermos grande parte das mensagens contidas nos texos. O estudo da mitologia também é importante para a compreensão de determinadas atitudes de uma população, pois quase sempre têm fundos religiosos (e que diremos nós das nossas atitudes também baseadas nos fundamentos do Cristianismo?)
Obviamente que um mito tem precisamente essa designação porque não é de todo real; contudo, acredito que tenha sempre um fundamento real. Se lermos, para além da mitologia grega, leituras referentes a outras mitologias, encontraremos decerto episódios semelhantes com personagens diferentes, inclusive na própria Bíblia (por exemplo, já li a história do dilúvio pelo menos em quatro mitologias mais a Bíblia cristã). Assim, compreender a mitologia de outros povos acaba por ser compreender em parte das nossas crenças e dar-nos um espírito mais aberto e crítico num assunto tão controverso quanto o da religião. 

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A ARTE ROMANA, por Jean-Pierre Néraudau

Anteriormente apresentei um livro sobre arte grega, Eis chegado o momento de abordar a arte romana.
É de opinião geral que os romanos não mais fizeram senão "plagiar" os povos que conquistavam. Nada mais errado. Usaram-nos, sim, muitas vezes como modelos mas conferiram-lhes sempre um cunho único, um carácter mais pragmático e menos ideal próprio de uma civilização vocacionada para a conquista. Esta e outras questões aborda este livro, escrito numa linguagem clara e objectiva e expositor dás várias fases e géneros artísticos de um Império que marcou profundamente a História do Ocidente.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

ISAGOGE, por Porfírio

"...Epístola de Porfírio ao seu discípulo Crisaório, constituindo por toda a Idade Média e Renascença a mais excelente introdução à lógica aristotélica." Isto porque a obra "Isagoge" tornou-se no intermediário da lógica de Aristóteles para a modernidade na medida em que faz uma leve introdução às categorias de Aristóteles; este facto acaba por fazer deste livro quase um manual iniciático para os que se interessam pela lógica formal.
Um conselho: esta obra foi redigida muito ao estilo de quem fala, pelo que pode ser necessária alguma atenção redobrada para entendimento de alguns conceitos se não queremos fazer confusões. Um papel à mão para ir organizando o pensamento também se me revelou ser de grande utilidade.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A ARTE DE VIVER, por Epicteto

Antes de mais peço desculpa, mas hoje não estou propriamente com inspiração para escrever o que quer que seja; contudo, tentarei fazê-lo dentro das minhas possibilidades.
Devo dizer que achei a formação de Epicteto bastante curiosa. Epicteto era filho de uma escrava sendo, portanto, um escravo (o que conferia estatuto social era o estatuto da mãe) que acabou por se tornar num filósofo de renome em todo o Império Romano. Foi servo de Epafrodito, um secretário do imperador Nero, que o torturava cruelmente, chegando a deixá-lo coxo para o resto da vida. A título de curiosidade, o seu nome, Epicteto (em latim Epiktetus) significa "comprado" e foi-lhe dado pelo seu amo assim que o adquiriu no mercado de escravos. Nunca se soube o seu nome verdadeiro. Apesar da sua condição servil, devido ao facto de trabalhar na corte do imperador e visto que este gostava de se fazer acompanhar de intelectuais pois o mesmo se julgava um intelectual, Epicteto travou conhecimento e teve lições com filósofos reconhecidos, que lhe ensinaram uma outra realidade para além da jaula de ouro em que este vivia. Finalmente conhecedor do ideal de liberdade acabou por procurar ele mesmo o aprofundamento das suas ideias e apresentá-lo aos que podia, começando a ganhar a fama de filósofo. Este título valeu-lhe a sua expulsão do Império Romano pelo imperador Diocleciano que entretanto tinha ascendido ao trono. A Filosofia fora a sua chave para a Liberdade. Durante o resto da sua vida foi procurado e consultado por inúmeros intelectuais que o tomavam como mestre. Tinha como modelo o filósofo Sócrates. Homem de espírito aberto e generoso conhecido por aqueles que o rodeavam, chegou mesmo a casar já idoso com uma mulher jovem, simplesmente para a ajudar a criar o filho (todos sabemos quão duras eram as leis para com as mulheres naquela altura).
O objectivo deste livro é o de ensinar um caminho simples para a felicidade, propondo formas de viver a vida baseadas na ataraxia (paz de espírito) e apatheia (tranquilidade). Este pequeno grande livro (consta de cinquenta e dois "mandamentos") deteve o reconhecimento geral ao longo da História, chegando mesmo a ser adoptado aos valores de vida cristãos e a ser, no século III, apelidado de "manual", tal foi a sua popularidade.
Em relação a este livro dou o mesmo parecer que dei para a "Carta sobre a Felicidade": creio ser de leitura indispensável, tal foi a sua actualidade ao longo da História. Para Epicteto, viver bem resume-se tão somente a "saber viver"; isto porque viver também é uma arte. 
Possa a filosofia deste livro "libertar" os seus leitores", da mesma forma que libertou o seu autor.