segunda-feira, 21 de julho de 2014

DA VELHICE, por Cícero

Esta obra, mais que um tratado, afigura-se a um ensaio de oratória. Tendo como tema a velhice, o livro consiste num diálogo entre três personagens (Marco Pórcio Catão, Caio Lélio e Cipião Emiliano) e durante o qual são refutadas as quatro objecções tradicionalmente feitas à velhice: a de que a velhice afasta os homens dos negócios; que enfraquece o corpo; que suprime todos os prazeres da vida e que aproxima o homem da morte. Estes quatro preceitos vão ser engenhosamente contrapostos por Marco Pórcio Catão que, através de uma argumentação lógica, consegue provar o quão infundados são os obstáculos que a velhice carrega. 
A pesar de ter sido escrita no ano 44 da nossa era (um ano antes da morte do autor), esta é uma obra que mostra o quão irredutíveis são algumas características básicas do espírito humano (neste caso, a persistência entre associar a velhice à incapacidade ou morte em vida) que são comuns a todas as eras. Este não é um livro para os velhos, que esses já possuem a sabedoria que alcança o conteúdo destas páginas e sim para os novos. É necessário desmistificar a velhice num mundo que se agarra à juventude como sendo a única virtude pela qual vale a pena sacrificar tudo (quão paradoxal é que todos queiramos chegar a velhos mas ninguém queira ser velho!...) A pele enrugada manchada pelo tempo e uma farta cabeleira branca, que deveriam ser augúrio de uma vida próspera e feliz, são o motivo de vergonha de muitos dos que alcançam a sorte de envelhecer. Contudo, acredito que nas próximas décadas algo terá invariavelmente que mudar: numa sociedade também cada vez ais envelhecida, cedo as camadas mais velhas do núcleo social ocuparão uma posição que fará jus ao verdadeiro significado da velhice.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

VIDAS DE GRANDES FILÓSOFOS

Boa tarde!
Porque a Filosofia faz os homens e os homens fazem a Filosofia (por homens refiro-me a ambos os géneros, claro... não sejamos picuinhas, também dizemos simplesmente "os pássaros" e não os pássaros-machos e os pássaros-fêmeas) expõe o presente livro as biografias de alguns dos mais importantes filósofos da História da Filosofia. São eles, passo a citar: Platão, Aristóteles, Epicuro, Marco Aurélio, Tomás de Aquino, Bacon, Descartes, Spinoza, Locke, Hume, Voltaire, Kant, Hegel, Emerson, Schopenhauer, Spencer, Nietzsche, William James, Bergson e Santayana. Este livro reencontrei-o enquanto fazia uma arrumação às estantes em minha casa: velhinho, num recanto bafiento de uma das estantes desarrumadas e de folhas amarelecidas pelo tempo, foi-me oferecido na altura para meu espanto pelo meu avô paterno quando era eu ainda criança conjuntamente com um livro-irmão sobre compositores ("Quando eu era não muito mais velho que tu interessei-me desde então por três coisas: Música, Política e Filosofia. Como gostas de ler pode ser que um dia também venhas a gostar destas coisas da Filosofia também. Toma, ofeceço-to."). Na altura recebi o livro como sempre recebi todos os livros: como se me tivesse recebido o presente mais espectacular que se pode oferecer a alguém. Mas na minha infância eu não conhecia nada que fosse mais espectacular que partituras ou livros e ter-se-á que desculpar-me esta falta de variedade... Li-o de um sorvo como apenas sabia fazer e fascinei-me com as histórias, ainda por cima reais, que contava. De facto o livro está escrito num estilo tão lírico que aquelas personagens fascinantes pareciam bailar diante dos meus olhos e talvez seja mais isso que torna este livro tão especial. Mais que um discurso técnico, o texto deste livro é humano, tal como o tema a que se destina. 
Não sei se existem versões recentes deste livro ou se acaso o terão os alfarrabistas. Nem sei de que ano é o meu exemplar. Sei sim que os livros moldam as pessoas e, com eles, o conhecimento. Nunca o acto de conhecer foi, vez alguma, inútil. A semana passada dei por mim a comprar uma antologia de canto gregoriano e perguntei-me por breves instantes de que maneira me iria beneficiar ensaiar as minhas cordas vocais em música religiosa medieval. Contudo cedo afastei esse pensamento: efectivamente acredito que todo o conhecimento, por mais que se pregue o contrário, é útil em qualquer tipo de vida. Pode não o vir a ser directamente como quando entramos para a faculdade e adquirimos (a maior parte das vezes) conhecimento que é susposto ser aplicável na vida prática. Infelizmente o que as universidades têm de bom também tem a sua outra-face e o que as universidades muitas vezes não nos ensinam é que o conhecimento de valor para nós não é apenas aquele que nos (aparentemente) útil à pequena fracção de ciência (seja ela humana, linguística, musical, artística ou matemática) a que escolhemos dedicar-nos espera-se que o resto da vida. Vivemos numa sociedade de tecnocratas que preza, confessemos, o lucro económico social e pessoal em detrimento de uma infinidade de lucros que também, esquece-se, poderiam ser úteis até mesmo para esse fim, se o quisermos. Ensinam-nos que temos que chegar a uma meta e para isso ensinam-nos a caminhar; mas não nos ensinam a ter atenção a outros meios de transporte que não os pés. Esses meios de transporte são o conhecimento que é útil indirectamente: um meio de transporte não se desloca por si só. É preciso um homem que o faça mover. Da mesma forma também todo e qualquer tipo de conhecimento pode, a dada altur ou até mesmo sempre, ajudar-nos a atingir as nossas metas indirectamente. Desde que para isso peguemos no volante e o conduzamos nessa direcção. 
Da condução da nossa vida, de todas as nossas vidas individuais, depende também a condução do mundo. Idealmente não precisamos de uma paz armada para garantir a felicidade e os direitos no mundo: o conceito de "paz na guerra" é um oxímoro demasiado ambivalente para ser exequível. Só a globalização do conhecimento em toda a sua extensão e com todas as suas consequências na formação dos indivíduos poderá um dia construir uma verdadeira sociedade feliz e justa; não tanto sofocracia da República apresentada por Platão em que os sábios governam os restantes, mas em que o sábio será uma realidade presente em todos os indivíduos e não apenas em alguns. Só o conhecimento pode livrar genuinamente o mundo dos seus males; e porque ao contrário do que nos fazem acreditar, nem mesmo a religião, quantas vezes usada como bode expiatório para justificar os actos não por fé mas por falta dela nos homens, é advessa à razão e ao conhecimento, passo a citar um dos hadith de uma religião tão incompreendida como o Islão : "procura o conhecimento, desde o berço à sepultura". E até essa é incompreendida, muitas vezes quer por quem o segue como por quem o julga, por falta dele.
Atrevamo-nos a conhecer sem calculismo: sem pesar os ganhos com as perdas (que no final não existem) e ousar colocar uma percentagem de viabilidade no conhecimento. Convertermo-nos ao conhecimento é convertermo-nos à verdadeira natureza humana. Acredito que a missão do ser humano neste mundo seja conhecer, esoterismos à parte. Porque só conhecendo se pode ver e conhecer para além das barreiras do senso-comum e da apreensão de ideias imediatas. Conhecendo se conhece; e quem conhece louva em si todas as maravilhas do Mundo...



quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

FILOSOFIA GREGA PRÉ-SOCRÁTICA, por Pinharanda Gomes

Uma coisa a ressalvar de início: esta é a primeira obra que se publicou em Portugal que alude à filosofia grega pré-socrtática. É uma mais valia para o nosso espólio cultural.
Um problema: se no manual anterior eu me queixei da densidade do texto, neste queixo-me da falta dele. Passo a explicar. Este manual assenta praticamente numa selecção de textos antigos divididos por filósofos (algo que o livro "Os Filósofos Pré-Socráticos" da Calouste Gulbenkian já tinha) mas é basicamente isso. Não há texto, não há explicação. Digamos que os filósofos por meio de fragmentos deles próprios ou de terceiros explicam-se a eles mesmos. Ainda que o livro comece e muito bem com uma apresentação da cosmogonia grega e das várias escolas de pensamento, o resto (sendo honesta) pareceu-me insatisfatório pelo menos para quem quer aprender. Tudo bem, é uma antologia no fundo e nada de muito mais; mas destina-se a quem já sabe. Citando o prefácio "Pareceu-nos sensato evitar a sobrecarga de notas comentarísticas ao texto. O leitor erudito prescinde de tais notas e, quanto ao leitor médio, não se sentirá inibido de efectuar uma leitura tanto quanto possível linear". Também não poderei dizer que concordo com a afirmação do mesmo prefácio "Assumindo que a filosofia não se destina a todos"... De certa forma isso faz-me questionar então por que se fazem manuais ou livros que transmitem conhecimento. Faz-se um livro informativo ou cultural porque se quer passar uma mensagem ao público; o conhecimento destina-se ao público, não é o público que é destinado ao conhecimento. Não vejo a utilidade de se fazer um livro que carece de explicação porque o público erudito percebe; se o público é assim erudito e carece de explicação, para quê destinar-lhe um escrito sobre algo que ele já sabe? Não se acrescenta nada. Então a tarefa de transmitir algo novo não se encontra preenchida. Não há transmissão de conhecimento.
Talvez seja do meu humor não muito fantástico de hoje mas sei que não estou a ser muito imparcial; de qualquer forma concluo que este livro é um óptimo anexo para o livro sobre o mesmo tema apresentado antes, não para consultar depois e sim durante; mas não é de forma alguma um livro de iniciação. Ainda assim agrada-me ver o crescente interesse português por estas matérias. Quem sabe este livro não tenha sido uma primeira experiência e a ele se siga um outro mais consolidado.
Agora um parecer, não relativo a este livro, mas sim mais generalista: ao longo da minha curta vida fui lendo livros que primavam por um grau de tecnicidade tal no discurso, livros supostamente para "pessoas a aprender" que me fizeram duvidar da qualidade de comunicação de quem os escreve ou, pelo menos, até que ponto estava interessado que essa comunicação existisse. A título de exemplo (não vou indicar o livro nem tão pouco o autor ou o assunto)... parece-vos razoável num livro supostamente intitulado de "manual" comparar dois assuntos, um à música de Ravel e outro a uma série dodecafónica de Schoenberg sem explicar porquê? Não falo por mim; a minha licenciatura é em Música, não sou eu que me queixo e mesmo assim, honestamente, não vi grande semelhança. Falo pelas dezenas de caras com pontos de interrogação estampados na cabeça que, num manual universitário que em nada tem que ver com o curso de Música viram essa comparação entre dois temas e que se perguntaram (perdoem-me a informalidade do discurso) quem eram os dois gajos ou, mesmo sabendo ao menos que eram compositores, não tendo formação clássica não perceberam um chavo do que o autor quis ensinar. Não seria razoável da minha parte agora dizer que os escritos de Platão (estou a criar uma associação aleatória, não é para levar a sério) se me assemelham ao Stabat Mater de Pergolesi e que pelo contrário Aristóteles é um completo Webern e pronto, fim de frase. Fico por este exemplo desse livro: é que nem explicação houve. A frase ficou por aí. Quem deu este exemplo deste livro poderia dar muitos outros... ou ainda noutro livro da mesma área aparecer não raramente parágrafos inteiros escritos, ou em grego, ou em alemão, ou em latim... sem tradução! Nem em rodapé! Por acaso no latim safei-me e o alemão arranho-o... grego não sei nada. Mas torno a perguntar, sinceramente: porquê? Qual o prazer de num livro destinado a "primeiros anistas" universitários colocar parágrafos inteiros em grego, alemão ou latim sem tradução? São exemplos como estes dois que me fazem pensar se de facto os autores pretendiam transmitir conhecimento ou pelo contrário exibir conhecimento, dito directamente. Qualquer que seja a razão, as duas podem resumir-se numa: os autores a meu ver não sabem comunicar. Quais são as nossas prioridades afinal? Às vezes sinto que o ser humano se coloca num pedestal tão elevado à espera que os outros o atinjam que se esqueceu de como descer para ir buscar as outras pessoas. Porque é isso que é comunicar. Porque essa é a regra crucial para se transmitir conhecimento. Porque comunicar é, na verdade, perdermos um bocado da nossa divindade (porque todos temos a nossa divindade) para acedermos à mortalidade dos outros, que também têm a sua divindade. Todos somos divinos e mortais em simultâneo. Como bem explicou Epicuro, é também tornando-nos divinos que nos tornamos homens. E se o conhecimento nos torna, à sua maneira, cada vez mais próximos do divino, é a tarefa ainda mais árdua da comunicação que nos confere a humanidade. Quem sabe se ser-se humano não seja mais duro que ser-se um deus...

terça-feira, 26 de novembro de 2013

HISTÓRIA DA FILOSOFIA, por Nicola Abbagnano

Não; isto não é apenas mais um livro.
Literalmente. São vários. Uma História da Filosofia em vários volumes . E isto apesar de eu ainda só ter adquirido os primeiros dois, que são os que me dão mais serventia neste momento, pois são os que se referem à Filosofia Antiga.
Uma coisa que louvo neste projecto já relativamente antigo (os exemplares que tenho arranjei-os num alfarrabista e são da segunda edição de 1963) é o facto de, no entender do autor, a Filosofia ainda ser uma área para muitos associada a algo de que determinadas "elites" se conseguem ou podem ocupar quando, na verdade, a Filosofia e o Homem caminham de braço dado. Assim, numa obra em vários fascículos, com um texto claro e simples, Abbagnano tomou a tarefa de educar os leitores no que ele considerou serem as "bases" do trabalho filosófico ao longo dos tempos. O livro dá também muito ênfase ao elemento humano, ou seja, à existência dos pensadores enquanto homens, aproximando-os mais de nós e dando a entender que a Filosofia é comum a todos nós e faz parte da nossa condição humana (confesso que estes volumes me têm dado ajuda a completar as informações para o blogue Biblionet - BIO com as breves referências biográficas que apresenta).
Aos que se demonstrarem interessados em algo mais que os dois primeiros volumes e para não procurarem às cegas, passo aqui uma lista com os temas abordados em cada um dos catorze volumes que fazem parte desta grande obra pedagógica:

VOL.1: Escola Jónica, Escola Pitagórica, Escola Eleática, Empédocles, Anaxágoras, Os Atomistas, A Sofística, Sócrates, Platão, Aristóteles
VOL.2: Escola Peripatética, Estoicismo, Epicurismo, Cepticismo, Ecletismo, Neoplatonismo, Patrística, S. Agostinho
VOL.3: Filosofia Escolástica, Anselmo de Aosta, Abelardo, Escola de Chartres, Misticismo, Filosofia Árabe e Judaica
VOL.4: Alberto Magno, Tomás de Aquino, Averroísmo Latino, Duns Escoto, Guilherme de Occam, Misticismo Alemão
VOL.5: Renascimento e Humanismo, Renascimento e Política, Renascimento e Reforma, Origens da Ciência
VOL.6: Filosofia Moderna, Descartes, Hobbes, Pascal, Espinoza
VOL.7: Berkeley, Hume, O Iluminismo Inglês/Francês/Italiano/Alemão, Kant
VOL.8: Filosofia do Romantismo, Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer
VOL9: Fichte, Schelling, Hegel, Schopenhauer, A Polémica contra o Idealismo
VOL.10: Kierkegaard, Marx, O Retorno Romântico à Tradição, O Positivismo Social
VOL.11: O Positivismo Evolucionista, Nietzsche, O Espiritualismo, A Filosofia da Acção
VOL.12: Bergson, O Idealismo Anglo-Americano e Italiano, O Neocriticismo, O Historicismo
VOL.13: Pragmatismo/Realismo/Naturalismo, A Filosofia das Ciências, Bertrand Russel
VOL.14: Fenomenologia, Existencialismo, Teoria da Informação e Cibernética, Estruturalismo, Utopia Negativa

Não sei se ao longo dos anos não terá saído mais algum volume; se sim peço desculpa por não o contemplar, mas o facto é que a edição que tenho já não é nova. Tão pouco sei se a ordenação dos volumes se mantém a mesma ou se os tópicos terão sido reorganizados quem sabe em menos volumes, mas maiores. De qualquer forma fica a referência à(s) obra(s) que, a meu ver, é um anexo essencial para os estudantes de Filosofia e para aqueles que, não sendo estudantes, a estudam de outra maneira.
Isto porque não; isto não é apenas mais um livro. Literalmente. E metaforicamente falando.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS

Boa tarde.
Eis-me chegada de novo. Tenho saudades disto. Mas não vou perder tempo com discursos de "olá de novo" redobrados. Acho que, para grande vergonha minha, já o devo ter feito pelo menos três vezes contando com esta. Irei directa ao assunto.
Esta não é uma obra clássica; tão pouco é sobre os autores sobre os quais este blogue se tem debruçado (com excepção de Parménides de Eleia, do qual apresnetei "Da Natureza"). O facto é que, como decerto já nos teremos dado a pensar... já existia filosofia antes dos clássicos. Infelizmente o que chegou até nós dessa filosofia mais antiga (a filosofia dita como pré-socrática) traduz-se em pequenos fragmentos e por vezes até escritos e referências de outros filósofos posteriores, sendo que neste último caso torna-se muito complicado precisar o que é a informação original da que já veio ao longo dos séculos alterada ("quem conta um conto acrescenta um ponto"). Contudo acho interessante passar uma vista de olhos pelos primórdios da filosofia grega, uma filosofia que se revelará em muitos casos bastante mais teísta do que puramente razão.
Acho que foi um erro da minha parte ter começado as minhas leituras nesse assunto por este livro. Não que não seja bastante esclarecedor, mas... é bastante denso. A informação presente no livro, após um primeiro capítulo dedicado à cosmogonia filosófica grega, encontra-se dividida por filósofos, sendo que ao espaço reservado a cada um são-nos apresentados fragmentos de textos que lhes são emblemáticos e/ou fragmentos de outros textos escritos por autores posteriores (lá está, devido muitas vezes à falta de fontes directas). Esses fragmentos aparecem primeiro em grego, depois traduzidos e finalmente um texto explicativo do fragmento. Ou seja, este livro aposta na aprendizagem com base na leitura do texto do próprio filósofo, não apenas à semelhança de muitos manuais apresentando ideias na terceira pessoa. É isso, a meu ver, que o torna interessante, contudo como se deve calcular bastante mais complexo. Por isso não acho que seja, pela minha experiência pessoal pelo menos enquanto leitora, a melhor obra para nos iniciarmos sobre o assunto. Caso encontre alguma que considere mais adequada para leigos/amantes do assunto, far-vos-ei saber, uma vez que este é um livro que tem o objectivo de ser um manual universitário, segundo li mais tarde na contracapa. A não ser que se o que se estiver à procura for, claro está, de um livro especializado. 
Peço desculpa por este texto tão corrido e pela impessoalidade, de facto não é meu costume. Espero voltar mais logo visto que tenho uma pilha de livros destes últimos tempos para "textualizar" (até me dá medo pensar na tarefa) mas infelizmente os comboios não esperam. Ainda assim posso ir-me respirando de alívio por finalmente ter voltado a uma tarefa que me dá prazer.

Revejo-vos mais logo,
C.B.

Nota: caso estejais interessados e visto que não se encontra no texto acima o livro é da Fundação Calouste Gulbenkian e os seus autores são G.S. Kirk, J. E. Raven e M. Schofield.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O SATÍRICON, por Petrónio

Boa noite. Estive um ano ausente (praticamente). Reconheço-o. Mentiria se dissesse que prometo agora aparecer com mais frequência. Dei-me conta, na última vez que escrevi neste blogue, que tal não posso prometer, da mesma forma que a vida não me pode prometer tempo para o fazer de forma menos esporádica. Nesta matéria estou profundamente enferrujada, se é que isso torna esta publicação mais desculpável. E nada melhor que (re)começar com uma falha.
Precisamente. Uma falha. De entre a panóplia de livros que apresentei esqueci-me de dedicar um texto a um em específico: "O Satíricon", de Petrónio, uma personagem da corte de Nero. Já o li há mais que um ano. Não sei como nem porquê, mas na altura esqueci-me completamente. Só me lembro que o li muito antes das "Categorias" de Aristóteles. A altura precisa, não a recordo.
O que é que tem "O Satíricon" de tão especial? Na verdade, o texto está cheio de supressões e são frequentes as vezes em que lemos frases interrompidas ou ideias inacabadas, porque até nós só chegaram fragmentos (e ainda assim bastantes) do texto completo. Contudo, o que o torna tão especial é que é o pai do romance latino, das epopeias e das grandes fábulas. É o romance mais antigo que chegou até nós. É de notar a relação entre o título da obra e a palavra "sátira", pois este livro é isso mesmo: uma sátira aos costumes romanos da época, com cenários principescos, relações entre os estratos sociais, familiares e entre os géneros bem vincadas, pouco pudor e que conta a história de dois rapazes que não têm constrangimento em viver o auge da sua juventude com tudo aquilo a que tinham direito enquanto jovens romanos, com as suas austeridades, os seus problemas, as suas aventuras e os seus prazeres. 
Mais que uma história, este livro é, portanto, um quadro social romano à qual deve esta obra grande parte do seu interesse. E, no final, talvez o mais interessante seja darmo-nos conta que talvez o quadro pintado por este romance tão antigo seja na verdade perfeitamente aplicável nos nossos dias. 

(Na mudança é sempre possível constatar a permanência.)

http://net-anexos.blogspot.pt/2013/07/satyrycon-frederico-fellini-1969.html 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

ARTE GRECO-ROMANA (Scala)

E cá voltei. Desta vez não venho com nenhum tratado ou obra literária e sim com algo que, a meu ver, acho útil enquanto complemento para estas leituras, uma vez que também é uma evidência do sentido de estética das civilizações grega e romana e também do contexto artístico em que as obras foram escritas (nada vive sem o seu contexto).
Este já não é o primeiro livro de arte que exponho aqui. Houve um anterior, chamado "Arte Romana", da autoria de Pierre Grimal, mas esse é de História da Arte. Este que apresento agora não deve ser visto como um livro de História da Arte e sim mais como um "catálogo" de arte, uma vez que assenta basicamente em imagens por página com a respectiva legenda. As imagens estão divididas pelas épocas correspondentes, que têm uma breve apresentação na página introdutória de cada uma. Vem também em quatro idiomas: Português, Espanhol, Italiano e Inglês.
É assim, não é por ter imagens e praticamente nenhum texto que esta "colectânea" artística é menos útil que o livro de Pierre Grimal: de facto, este tem o que o livro de História da Arte não tem, que são precisamente elementos visuais e isso foi também uma das coisas que não gostei muito no outro livro. Não que eu seja adepta da ideia de que os livros têm que ter necessariamente ilustrações, mas quer dizer, era um livro de História da Arte e estão-nos a falar de arte sem exemplos para aquilo que descrevem, é como ler um livro sobre pintura e não ver nenhum quadro. Assim, creio que este livro e o outro se complementam bastante bem, uma vez que o segundo é muito detalhado a nível de texto e este visualmente. 
Apesar de não ser um livro essencial, considero que talvez seja uma boa aquisição mais enquanto "documento histórico" ou "testemunho visual" para quem se interessa pela arte e a sua História ou por civilizações antigas; isto porque muito do que é uma civilização hoje e ontem passa pelo que reflecte nas suas manifestações artísticas.

domingo, 16 de setembro de 2012

"CATEGORIAS", por Aristóteles

Boa noite a todos! Já vai algum tempo, cinco meses, para ser mais exacta, desde a minha última visita, mas por motivos académicos os meses de Junho e Julho revelaram-se impossíveis para ler livros novos. Ainda assim consegui ler quatro, mas depois faltava a tarefa de os estudar/analisar e para isso eu não conseguia mesmo. Também não posso prometer que consiga ter a mesma pedalada que tive durante o primeiro ano de vida deste blogue; a partir deste ano terei o tempo mais apertado, bem como as finanças, que não estão boas para ninguém e os livros compram-se. Contudo, espero conseguir pelo menos ler um livro por semana.
Para abrir este segundo ano na "blogosfera" escolho um dos quatro livros que li em Junho e que ficou até agora pacientemente na minha estante à espera que chegasse a vez dele de entrar aqui na ribalta. é ele o primeiro de um conjunto de cinco tratados de lógica aristotélica que dá pelo nome de Organon:"Categorias" (e agora é a parte em que dou voltas na cabeça a tentar relembrar algo que li em finais de Maio já).
Como disse, do conjunto dos Organa (usei o termo "Organa" porque é o plural de "Organon" e atrás referia-me ao conjunto, logo singular e agora aos livros, plural), as "Categorias" ocupam o primeiro lugar e vários são os estudiosos que defendem que é pelo estudo das "Categorias" que se deve introduzir a lógica aristotélica. O que é facto é que esta obra, efectivamente, exerceu uma grande influência em toda a história da Filosofia e ainda hoje é um dos seus maiores clássicos. Esta obra encontra-se num único livro e está dividida por quinze capítulos, sendo que de vários deles são apenas os fragmentos que chegaram até nós. Os primeiros três capítulos ainda não expõem o propósito da obra em si, pois Aristóteles começa por explicar certos conceitos sem os quais o leitor perder-se-ia na certa. Só a partir do capítulo quarto (capítulo charneira, na minha opinião) é que é apresentada a lista das dez categorias, que são: substância, quantidade, qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, acção e paixão. Os capítulos seguintes são, portanto, a análise de cada uma delas.
Em toda a obra (como é característico as obras de Aristóteles) o método de investigação utilizado é o dialéctico, ou seja, é um método que toma como ponto de partida opiniões ou crenças comuns pois, segundo Aristóteles, o senso comum, quer queiramos quer não e conquanto todos os seus defeitos, ainda é a base para o nosso início no acto de conhecer e por isso só a partir dele e da sua análise se efectuam novos conhecimentos. Outra característica desta obra é o recurso à indução: esta é uma forma de argumento dialéctico que parte do particular para o universal, pois as coisas particulares são as que se encontram mais próximas da nossa experiência e, portanto, mais facilmente são apreendidas pelo senso comum. 
Não é difícil de ler nem de perceber: o método de escrita é muito semelhante ao da "Poética" do mesmo autor e é bastante conciso. Contudo claro que tem alguns preciosismos, sobretudo a nível de sintaxe, que podem tornar algumas frases mais confusas de entender, mas isso normalmente os livros de conhecimento antigo o têm. Ainda assim, não deve ser lido de uma forma de texto corrido como a "Poética", que já permite esse tipo de leitura. Se a "Poética" é essencialmente um tratado de estética, as "Categorias" são um tratado de lógica e como tal não devem ser simplesmente lidas e sim entendidas. Contudo, a respeito disso creio que vou abrir um blogue à semelhança do que fiz para com o "Tratado da Política" e da "Poética" de Aristóteles, do "Isagoge" de Porfírio e "Da Natureza" de Parménides de Eleia para expor o meu resumo das ideias-base das "Categorias": afinal nem todos nós temos disponibilidade para estudos autónomos e, tendo em conta que a maioria das obras de Aristóteles mais não são que compilações de informação que ele cedia aos alunos por aulas (quase como apontamentos), creio que ele não se importaria que elas continuassem acessíveis a quem se interessar.
Cá espero estar de novo para a semana, ou mais cedo, se assim o puder. Continuação de uma óptima noite!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

DIÁLOGO SOBRE A FELICIDADE, por Santo Agostinho

Acabei de o ler hoje; aliás, devo confessar que é deveras inspirador ler Santo Agostinho enquanto se estuda piano. É a terceira vez que o faço e também é a terceira vez que tenho um estudo fantástico.
À semelhante de "O Mestre", neste livro, dedicado a Teodoro, Santo Agostinho faz de novo uso do método socrático para chegar ás suas conclusões. Um ponto importante a saber deste livro é que o diálogo aconteceu mesmo e foi registado, aparentemente palavra por palavra. Passo a explicar.
Era dia 13 de Novembro de 386 e era o aniversário de Agostinho. Fazendo uso do argumento de que o alimento da alma era a sabedoria, Agostinho decidiu oferecer um banquete de aniversário diferente: convidou os seus familiares para sua casa e realizou uma tertúlia que se prolongaria até ao dia 15 de Novembro. Os temas eram bastante actuais: "o que é a felicidade?" e "como é que o homem pode ser feliz?". No diálogo participaram o seu irmão Navígio, os seus alunos Trigécio e Licêncio, os seus primos Lartidiano e Rústico, o seu filho Adeodato e, note-se, a sua mãe Mónica; é, de facto, um pormenor interessante ver como uma mulher naquele tempo participou de um diálogo filosófico e acabou por ser, como afirmaram todos, a que melhores conclusões deu e a que mais sabedoria tinha, tanto que Agostinho registou (página 41) "(...) que, esquecidos inteiramente do seu sexo, pensámos que algum grande homem se encontrava sentado connosco..." Contratou-se também um escrivão para registar por escrito todas as palavras que fossem ditas na discussão (página 53) "Eu já tinha dado ordens para que nenhuma palavra que fosse pronunciada ficasse por registar por escrito."
Apesar de ainda achar duvidosas algumas conclusões de Santo Agostinho (uma vez que, por muito impecável que seja o seu raciocínio, parte sempre de premissas já existentes, os dogmas, para suportar as suas conclusões... algo que não está inteiramente de acordo com Sócrates, pois a ideia que tenho do filósofo é que primeiro questionaria os dogmas e depois é que usaria o dogma reformulado/alterado num processo de lógica para chegar a conclusões) devo dizer que é um filósofo (para todos os efeitos, é-o) que me dá gosto de ler. Apesar de o que eu li até agora ser de cunho teocêntrico, a sua capacidade de argumentação (independentemente da utilização de ideias pré-estabelecidas) bem como as temáticas são bastante cativantes e actuais e deita por terra aquela ideia de que a religião não incentiva o raciocínio. Quer se ame ou deteste o homem, creio que é verdade assente de que os seus trabalhos filosóficos são, em muito, a base de muitos ideias filosóficos actuais.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

CONTO DE AMOR E PSIQUE, por Apuleio

Este livro não era suposto ter existido... refiro-me na minha prateleira. De facto, já faz um mês que o comprei e dirigia-me eu ao alfarrabista do costume quando, caindo em tentação como sempre em entrar na Fnac, o encontrei na secção de livros de bolsos. Como estava por uma módica quantia (semelhante ao que eu costumo pagar num alfarrabista) decidi aproveitar e levei-o comigo. Adiei o alfarrabista para outra altura...
De facto, este livro (ou parte dele) não se chama propriamente "Conto de Amor e Psique"... na verdade, este conto é um excerto de uma obra maior de Apuleio com onze volumes (!) chamada "O Burro de Ouro" e este conto só entra como narrativa encaixada. A obra (cujos onze volumes se encontram por sua vez agrupados em três secções) é sobre um jovem chamado Lúcio que, depois de tomar certa mezinha, se transforma em burro, vivendo aventuras e desventuras na sua nova forma. O "Conto de Amor e Psique" figura na segunda secção. Sendo Lúcio roubado por uns ladrões e levado para a sua caverna, lá conhece Cárite, uma jovem raptada no momento em que preparava os esposais estando, por isso, inconsolável. Assim, na tentativa de consolá-la e para a entreter, a criada dos ladrões conta-lhe uma história entre o filho de Afrodite e uma mortal.
O "Conto de Amor e Psique" é. decerto, uma história bem conhecida de todos, contudo raras vezes se nota toda a alegoria que existe entre a história e a existência humana. Efectivamente, Eros (que personifica a beleza de corpo) apaixona-se por Psique, uma mortal de beleza equivalente à de Afrodite (que simboliza a beleza de espírito) e que, mesmo sem nunca ter visto a forma física de Eros, apaixona-se à mesma por ele devido às suas atitudes (no fundo, o amor físico aliado o amor platónico ou, por assim dizer, o amor superficial aliado ao amor puro). Ambos têm, no fim, uma filha, à qual puseram o nome de Sensualidade. A união de Eros e Psique (que, casando, se tornam um só), bem como o aparecimento de Sensualidade, acabam por nos dar uma ideia do homem/mulher ideal: a beleza exterior aliada à beleza interior. É uma alegoria bem conseguida e neste conto (e isto é uma questão de gosto) só lhe encontro um defeito no argumento: à semelhança do amor falso e plastificado de Tristão e Isolda (convenhamos, não tem valor nenhum, ambos só se apaixonaram porque beberam uma poção, isso é bruxaria e não amor) também Psique, embora já se encontrando apaixonada por Eros, como dizer, se apaixona ainda mais por ele porque se picou sem querer numa das suas setas... Falo pessoalmente, essa parte tira a graça toda ao ideal que falei anteriormente e era um pormenorzinho que, sendo retirado, não interferiria em nada na história... a não ser que também tenha um simbolismo que me esteja a escapar, caso alguém tenha ideias avise-me, por favor.
Resumindo: quer tenhamos como motivação-base a leitura deste excerto o facto de estarmos apaixonados ou de apenas querermos racionalizar um bocado, o "Conto de Amor e Psique" surge como um documento que exprime o ideal da perfeição na vivência do sentimento comummente conhecido por Amor, podendo ser transportado, a meu ver, para todos os seus desdobramentos, sejam eles amor romântico, platónico, fraterno, sexual, familiar, etc.; porque, se nos dermos conta, em todos se verificar esta constante oposição Eros/Psique que tem a Sensualidade como seu produto. O que os torna diferentes são apenas as variáveis entre os conceitos. Infelizmente as almas são pobres e, com o passo dos anos, a Sensualidade (mesmo enquanto conceito usado no dia-a-dia) acabou por ficar órfã de mãe (Psique) e hoje é unicamente associada ao simbolismo de Eros... Pena...

quarta-feira, 4 de abril de 2012

CONFISSÕES DE UM PECADOR, por Santo Agostinho

Admito. Quando comprei este livro não esperava que fossem apenas excertos, peço desculpa pela desilusão. Seguramente haverá a versão completa, mas esta apareceu-me com um preço módico. Ainda assim, fica aqui a sugestão.
"Confissões de um pecador" é considerada uma das obras mais emblemáticas de Santo Agostinho, junto com a "Cidade de Deus". No início eu estava um pouco renitente a ler este livro, uma vez que não fiquei muito impressionada com a leitura do primeiro livro que li de Santo Agostinho; contudo, cedo afigurou-se-me com uma leitura muito interessante. 
"Confissões de um pecador" é um livro dividido em livros mais pequenos, todos com uma parte específica da sua vida e respectivas temáticas para reflexão. Nele, o próprio Agostinho narra a sua biografia e apresenta a sua experiência de vida, bem como o caminho que o levou à sua conversão, sempre com um tom introspectivo, de reflexão e dedicado a Deus. É uma auto-avaliação partilhada com os demais, esperando que talvez nós nos possamos rever na sua experiência e nas suas falhas.
Compreendo que possam advir alguns sentimentos de desagrado pela leitura deste livro; efectivamente, certos aspectos da mentalidade de Agostinho, ainda que devidamente justificados, podem parecer de difícil compreensão para a maioria dos leitores. Contudo, peço que esqueçam o homem e foquem-se antes do que realmente vos interessa, uma vez que é o seu legado e não o indivíduo que nos importa.

segunda-feira, 12 de março de 2012

DIÁLOGO SOBRE A JUSTIÇA, por Platão

Tenho estado mal de tempo para actualizar o blogue; e, nos espaços que me sobram, leio para descansar mas até agora não tive cabeça para cá voltar. Contudo, desde a ultima actualização a 2 de Março do presente ano li mais três livros e estou a meio de um quarto que procurarei apresentar. Este é um deles.
Sei que vai parecer um cliché; efectivamente, já o tinha dito do "Ménon" mas lá está, as coisas estão sujeitas a mudança quando se conhecem novas e o "Ménon" foi destronado e passou a ser este o melhor diálogo de Platão que já li. Não apenas pela temática (o "Ménon" é um pouco vago de assunto) como também por três novidades para mim: pela primeira vez vi discurso indirecto num diálogo de Platão, ou seja, vi texto narrativo, sem ser dialogado, pela primeira vez li uma discussão acesa entre Sócrates e um sofista, Trasímaco, que primava pelo tom agressivo e pela primeira vez não foi Sócrates que teve a última palavra e sim um dos assistentes da discussão, Gláucone. 
O diálogo começa com um jantar em casa de amigos e no qual participava Trasímaco, um sofista, que acusa Sócrates de ser um manhoso e um falso que apenas fazia perguntas mas a nada respondia. Sócrates, então, aceita o desafio: neste diálogo, é Trasímaco quem questiona com o objectivo de denegrir Sócrates e este responde; eventualmente trocam de posições num confronto aceso de pergunta-resposta sobre a temática da Justiça, o que seria e quem seria o justo. São visíveis as tentativas de fuga de Trasímaco quando vê em vários momentos que está a ser vencido, tanto que os assistentes têm que o segurar para que ele ganhe coragem e acabe o que começou. Assim, pergunta atrás de pergunta, resposta atrás de resposta e de vez em quando insulto atrás de insulto Sócrates e Trasímaco lutam pelo seu ponto de vista, uma luta que mais não é que um símbolo da barreira entre um filósofo e um sofista, sendo os sofistas tinham má fama na altura por cobrarem dinheiro aos alunos pelos seus ensinamentos que mais não eram, para muitos, que falsa erudição. Contudo, o grande vencedor da noite é Gláucone, um dos assistentes; uma vez ido Trasímaco e acabada a discussão, Gláucone, que mais não fizera que escutar e analisar em silêncio os argumentos das duas posições, profere um discurso sobre a Justiça a Sócrates, no qual expõe as grandes conclusões que tirou. Assim, num rasgo de sabedoria, contudo tendo o cuidado de não incutir ao leitor nenhuma verdade absoluta, Gláucone encerra o diálogo.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

DA NATUREZA, por Parménides de Eleia

E eis chegado o momento da apresentação de um pequeno grande livro e um dos testemunhos mais completos da Filosofia Pré-Socrática (e o primeiro que li). "Da Natureza" é um dos primeiros livros de Filosofia da nossa civilização e o seu autor, Parménides de Eleia, é o primeiro filósofo que defende o uso da razão como forma de atingir a Verdade. O livro, todo ele em poesia e do qual só restam alguns fragmentos, questiona essencialmente o ser, o pensar, o conhecimento e a verdade.
Pessoalmente (apesar da sua leitura difícil) considero-o um livro fascinante de ler; efectivamente, a sensação que assomava ao meu espírito era a de estar a presenciar ao nascimento de algo, a observar algo embrionário... e é que é uma sensação tão fascinante a de sabermos, conscientemente, daqui, sim, daqui, desta lógica argumentativa obsoleta partiu a maior parte das estruturas lógicas formais que conhecemos hoje e, muito honestamente e sem exagero (mas isso sou eu que me fascino com estas coisas) no final só pode restar pelo menos uma centelha de felicidade nos nossos corações que, por momentos, ficam enormes... quase como se nos tivesse sido dado o privilégio de assistirmos ao nascimento do Universo em primeira mão, mas de um universo mais pequeno, o universo de algo que, ainda que menosprezado com a passagem das eras e sobretudo nos dias de hoje, é tão importante para a natureza humana como o foi há mais que dois milénios.
A Filosofia é precisa, não apenas pelos seus conteúdos lógico-argumentativos que esses são atingíveis com outras ciências, mas também porque é nela que o Homem se espelha... o pensamento é inerente ao Homem, se é mais ou menos racional ou emocional isso é o objecto, o que importa é que o Pensamento (com P maiúsculo, uno e universal e, portanto, em todas as suas vertentes) é uma característica inseparável da Humanidade, talvez mesmo a origem daquilo que se pode mesmo considerar de unicamente Humano... negar a importância do Pensamento é negar a Humanidade, que assume múltiplas formas consoante o que pensa e que pensa consoante o que muda, ambas são causa e efeito de ambas num ciclo vicioso que se prolongará até à nossa extinção... ou até ao aparecimento de algo novo.
Caríssimos... não vos poderei dizer que entendereis tudo quanto lerdes neste livro e nem eu entendi tudo e talvez nenhum de nós entenda absolutamente tudo de nada. Contudo, só poderei esperar que a sensação de júbilo que tiverdes e de privilégio pela leitura de algo que iniciou grande parte do nosso mundo tal como o conhecemos seja tão grande ou maior que a minha. Porque, tal como defendia Parménides, do nada, nada pode nascer.
Bem hajam!

domingo, 26 de fevereiro de 2012

COMO TIRAR PROVEITO DOS INIMIGOS, por Plutarco

Bem... este livro é de carácter diferente e foi o meu companheiro durante uma semana de rua; contudo, esclareço desde já uma coisa: não tenho inimigos nenhuns... e se os tenho desconheço-os totalmente nem quero saber quem são. Logo, apenas li o livro pelo autor (ainda não cheguei ao estado de maníaca ou do medo da perseguição, hehe)...
Na verdade, este livro divide-se em duas partes: uma primeira, confirma-se, intitulada "Como tirar proveito dos inimigos", mas segue-se-lhe a parte maior, cujo título é "Como distinguir um adulador de um amigo" (e desta última, sim, reconheço utilidade para a generalidade das vidas humanas). Assim, numa espécie de manual de auto-ajuda (sim, que estas coisas dos livros de auto-ajuda não são invenção recente), Plutarco ensina as pessoas a viver essas duas vertentes aparentemente negativas da vida de acordo com a sua ética: o princípio de que a felicidade e a paz só são alcançáveis controlando os impulsos da paixão.
Só uma nota: a respeito dos livros de auto-ajuda... já repararam que os manuais de auto-ajuda passados ensinavam a viver enquanto os de agora ajudam a conseguir ter algo?... De que maneira um manual de auto-ajuda poderá reflectir as nossas prioridades? Talvez no título de um livro esteja um espelho maior de uma sociedade do que se pensa...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

LAQUES, por Platão

Boa madrugada! 
Como não poderia deixar de ser, tive que passar por cá antes de me submeter ao sono, desta vez com um diálogo de Platão, pois já não lia há muito tempo (desde... o "Ménon" em Novembro?), "Laques", desta vez e não posso deixar de fazer um reparo à edição. Efectivamente, foi com um livro desta colecção de volumes que comecei este blogue em Maio do ano passado ("Apologia de Sócrates", se me recordo) e a modos que foi um pouco... nostálgico... actualizar com um livro de uma colecção que não pensava adquirir mais apesar de ter uma qualidade excepcional (afianço que, para quem procura literatura clássica em bons livros, para mim esta é uma das duas editoras que aconselharia; a outra é das edições da Fundação Calouste Gulbenkian, mas isto é uma questão de opinião). Outra coisa de notar é o pormenor de todas as capas terem a sombra de uma árvore. Se considerarmos que, de facto, uma capa pode dizer o que um livro não diz, poderemos pensar que é uma alegoria (como se o legado clássico se assemelhasse a uma árvore centenária que continua a crescer?). Mas já estou a dispersar.
O tema deste livro... de facto é difícil de esclarecer o tema. Aparentando ser um diálogo sobre a boa educação dos filhos por ligação de ideias passa para a coragem, assistimos a uma longa discussão entre dois intervenientes pelo meio (Nícias e Lisímaco), o que é algo que eu nunca tinha visto nos diálogos que li, uma discussão agressiva explícita e no fim termina em aberto... contudo a estrutura argumentativa baseada na lógica mantém-se. Noto, contudo, duas coisas: a primeira é a defesa de Sócrates em que as questões não devem ser decidias pela maioria, mas sim pela validade da cabeça (que não é pelo número de cabeças que se devem tomar decisões e que uma cabeça pode valer por muitas). Isto aparentemente parece contraditório, mas como poderia sair tal coisa de alguém oriundo do berço da democracia, mas o facto é que a democracia, no verdade, tinha um significado nocivo para os atenienses; estes eram a favor da República e não da Democracia (Aristóteles no seu "Tratado da Política", já apresentado anteriormente, esclarece muito bem a diferença). A segunda é a persistência de Nícias em que Sócrates deveria ser mestre dos jovens... ora foi precisamente este um dos motivos que o levaria à sua condenação, o de, segundo o tribunal, ensinar maus caminhos aos jovens e, tendo em conta que estes diálogos me parecem ser escritos depois da morte de Sócrates, penso se não seria um ataque da parte de Platão como forma de denúncia dos juízes (aliás, já seria a segunda vez que o faria). 
Seja como for, deixo-vos com mais um diálogo (dos meus preferidos agora). É necessário que a árvore clássica cresça e, seguramente, continuará a fazê-lo... e, também seguramente, continuará a dar ramos para o pensamento póstumo, o que prova o seu valor inegável.
Juntos contra a desflorestação das ideias, a todos uma boa continuação de semana e boas leituras!

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

FILOCTETES, por Sófocles

No fundo, pensando bem, há já muito tempo que não lia nada de Sófocles. A última tragédia que tinha lido foi "Os Persas" de Ésquilo e mesmo essa já tinha sido há algum tempo... Pelo que decidi aventurar-me a desembolsar algum e trouxe o livro que hoje apresento, "Filoctetes, de Sófocles.
Nesta tragédia conta-se do desembarque de Ulisses na costa de Lemnos com o objectivo de aprisionar o antigo guerreiro Filoctetes, repudiado pelos seus companheiros dez anos devido às suas chagas que o tornavam inválido, para poder beneficiar da utilização das suas armas mágicas na guerra de Tróia. Para isso faz uso de um dos seus soldados, Neoptólemo, um jovem ansioso por ser conhecido por grandes façanhas e incita-o a mentir e a ser ele a trair e aprisionar Filoctetes, prometendo-lhe glória e fama. Neoptólemo aceita, seduzido pelo prémio.
Esta é uma tragédia em que Ulisses, que normalmente é tido como um herói, passa a mostrar a sua vileza através do uso da inteligência e manha para maus fins; Filoctetes é a denúncia do trato ateniense dado aos menos capazes; e Neoptólemo, por seu turno, é o jovem inexperiente e, no fundo, inocente, que ainda não sabe a qual dos senhores há-de servir, se a gloria material conseguida por um caminho fácil (mentira), se a glória espiritual pela prática de um caminho mais doloroso (verdade). No fundo, Neoptólemo surge como a Humanidade condensada num só Homem...